A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de engavetar a reforma ministerial, resumindo-a a duas mudanças, pode ter surtido algum efeito midiático e servido para preservar a autoridade do Planalto diante do desafio fisiológico lançado pelo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. O fato, contudo, é que, passados alguns dias desde que o presidente encerrou a novela da reforma, a situação permanece tão ou mais confusa, tanto no interior do governo como na sua relação com os presumíveis aliados.
As próprias mudanças anunciadas, ainda que pontuais, já se mostram problemáticas no que tiveram de mais relevante -a nomeação do senador Romero Jucá (PMDB-RR) para o Ministério da Previdência. Como esta Folha tem noticiado, o novo titular da pasta está envolvido num rumoroso caso de apresentação de garantias inexistentes para um empréstimo da Frangonorte, empresa da qual era um dos sócios. Segundo informações colhidas nos bastidores, o episódio vem criando preocupação e constrangimento no governo. Há relatos de que o presidente Lula já teria manifestado a interlocutores seu arrependimento com a indicação.
Ora, a Presidência da República, segundo o próprio ministro, conhecia os problemas antes da indicação. Ainda assim, justamente na oportunidade em que encenou um "soco na mesa" contra as pressões fisiológicas, anunciando o drástico fim da reforma, o presidente Lula optou pelo senador, num gesto que visava a agradar o PMDB do presidente do Senado, Renan Calheiros. Até aqui, portanto, poder-se-ia dizer que Lula errou em metade da mini-reforma.
Ao caso Jucá somam-se os sinais de que o recuo do Planalto despertou insatisfações não apenas nos partidos que negociavam apoio mas também entre militantes do PT e "companheiros" de alta patente. Salta aos olhos o desconforto do ministro da Casa Civil, José Dirceu, com a manutenção do deputado Aldo Rabelo (PC do B-SP) na coordenação política. A saída de Rabelo, que vinha sendo minado por amplos setores do PT, era dada como certa. Confirmado na função, não foi preciso esperar muito para que voltasse a ser alvo dos mesmos adversários.
Também o senador José Sarney parece contrariado com o rumo que os acontecimentos tomaram. Não apenas pelo fato de a ex-governadora Roseana não ter sido contemplada mas também pelos acenos do Planalto para a facção peemedebista representada pelo deputado Michel Temer (SP), com vistas a um possível, mas um tanto duvidoso, acordo para as eleições de 2006.
O reflexo desse quadro de desavenças e desorientação é evidente na Câmara, onde prevalecem as manobras do deputado Severino Cavalcanti e a desarticulação da base governista. É improvável que o governo consiga modificar essa situação sem reabrir a reforma ministerial, embora isso não seja garantia de que as coisas irão se estabilizar. Mesmo porque, em muitos casos, as emendas promovidas pelo governo têm se revelado piores do que o soneto.
Entrevista:O Estado inteligente
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