A seis meses do plebiscito, a campanha do desarmamento dá sinais de estar com a pólvora perigosamente molhada.Não há indício de falhas na premissa inicial, que permanece intacta: menos armas de fogo em poder da população atestam o amadurecimento da sociedade civil. E cai sensivelmente o número de mortes de cidadãos não marginais por cidadãos não marginais. Quem adere ao desarmamento individual mostra da forma mais prática possível seu compromisso moral com a supremacia da vida em quase todas as circunstâncias. Não se negará que é uma prova de coragem — exatamente aquela bravura que falta aos pitbulls bípedes.
A História está repleta de exemplos, no entanto, em que travar o bom combate muitas vezes garante apenas a vitória moral. O perigo de que isso aconteça mais uma vez no plebiscito deste ano está cada dia mais visível; algumas explicações são fáceis de entender.
Uma: a campanha pela entrega de armas teve um início animador. Mais até: parecia dar a certeza de que a causa estava ganha. Mas longas campanhas cansam. O "já ganhou", mais ainda.
Outra: o lobby das armas é poderoso e nada bobo. Depois de forte resistência inicial, pareceu ceder. Ninguém se engane: continua ativo, e cheio de dinheiro para gastar. Certamente voltará à carga com força total no momento certo, perto do plebiscito.
E mais: o Senado que aprovou o plebiscito é o mesmo de hoje. Mas o oposto se verifica na Câmara: agora, lá, muitos dos que mandam consideram machismo virtude. Não vamos insinuar a probabilidade — mas certamente devemos admitir a possibilidade de que o seu plenário hoje parece ser uma Casa mais sensível às infantilidades do machismo do que há algum tempo atrás. Mais vulnerável — digamos assim, sem insinuação alguma — à retórica de lobbies poderosos. Não necessariamente por ingenuidade; mas por pensar parecido.
Nestes dias, os teóricos do gatilho começam a sacar argumentos superficialmente convincentes. Por exemplo: apesar do grande número de armas recolhidas, os índices de mortes por tiro não diminuiu, principalmente em grandes centros. É alegação verdadeira, mas safada. O recolhimento de armas de fogo em poder da população civil visou e visa a reduzir principalmente a violência praticada por esse segmento, no seu mundo. São os crimes domésticos, as brigas no trânsito, os acidentes com armas encontradas por crianças, a resistência inepta a roubos em residências ou nas ruas.
E esses índices realmente caíram, de forma altamente significativa. Como, é bom lembrar, caíram em países que adotaram legislações parecidas com a proposta no Brasil. Por exemplo, Reino Unido e Japão.
Mas os índices de mortes por armas de fogo crescem. Óbvio. O que mais se poderia esperar, nas grandes cidades, onde as grandes quadrilhas de traficantes dispõem de arsenais altamente sofisticados, e travam tiroteios praticamente diários com policiais? Mas essa é outra guerra, não aquela iniciada, com êxito acima de todas as esperanças, com a campanha do desarmamento.
Ou algum lobista terá o desplante de ver fracasso no mutirão nacional porque os diretores e gerentes do tráfico de drogas não correram para entregar seus estoques de fuzis automáticos de última geração?
Misturar os dois campos de batalha é um sofisma que sequer precisaríamos denunciar como revoltante: é primário demais. No entanto, é necessário denunciá-lo. Assim como qualquer outro que o lobby disparar contra os votantes no plebiscito. Quanto mais não seja, para não perder o treino de abater sandices em pleno vôo.
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, abril 26, 2005
Luiz Garcia:Sandices em pleno vôo
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