Só os profetas enxergam o óbvio, dizia o Nelson Rodrigues. Eu não sou profeta, mas vejo o óbvio ali no meio da rua, como um grande ovo, como um entulho, como um bonde parado, vejo o óbvio, um elefante dormindo, enquanto a estupidez nacional discute bobagens ideológicas e ridicularias políticas. Como dizia Sérgio Porto: festival de besteiras no Brasil.
A burrice detesta o óbvio. A burrice pensa que o óbvio é pouco, que se deve buscar secretas respostas, oblíquos caminhos, enquanto o óbvio ulula em nossa frente. E a burrice comanda essa gente que está no governo. Outras doenças já tivemos: esperteza, ladroagem, oportunismo, mentiras (não que o PT no governo não as tenha em forma menos aguda, mas sua moléstia fundamental é a testa curta com idéias antigas).
Essa semana ouvimos o bordão de sempre: "Temos de baixar os juros". Repetido pelo vice Jose Alencar, de olho no governo de Minas, por Miguel Rosseto, amante dos campônios, e pelo Severino, valha-nos Deus...
É extraordinário: a ala ignorante do governo reclama da ala sensata por causa dos juros altos. Esquecem que os juros estão altos porque eles mesmos, os queixosos, não conseguem imaginar medidas para baixá-los, pois não sabem administrar, não sabem fazer política. Erram em tudo e fica o Palocci agüentando a barra sozinho, enquanto as antas incompetentes vão roendo sua sensatez, transformando-o no inimigo para o futuro. Querem fritá-lo para diminuir sua influência, para encurralá-lo como o responsável pela paralisia nacional. A esquerda burra do PT também já lançou sua palavra de ordem no partido: demitir o Palocci, Meirelles e Jucá, como se fossem da mesma pipa. Querem fritar o Palocci para que, no segundo mandato do Lula, possam "botar para quebrar tudo isso que está aí". Querem fritar o Palocci porque ele é o "princípio da realidade" tão odiado. Sem reeleição, o segundo mandato pode trazer um populismo vagabundo, que já tem indícios nas farmácias e comidinhas a 1 real, ridícula imitação do nefasto casal 20 do Rio.
Até hoje, todas as críticas dos próprios petistas ao governo Lula, todas as diatribes dos intelectuais "de esquerda" (esses "voyeurs" inúteis da Academia) são discursos regressistas, são clamores pela volta a um "modelo genuíno" (com e sem trocadilho), para restaurar o "verdadeiro ideário" do PT: nenhuma crítica é prospectiva, em busca de novos procedimentos. O Palocci, Meirelles, Furlan, Roberto Rodrigues são a prova insuportável de sua incompetência. O lado delirante e bolchevista do governo Lula não entende que ser "de esquerda" no Brasil é combater o Estado gastador, destroçar a burocracia, o clientelismo, a estrutura política arcaica. Nada mais. Mas continuam disfarçados de "democratas", usando os cacoetes da velha tradição comuna . Não se conformam com as soluções possíveis porque, em seu imaginário ambivalente, querem algo "mas além do capitalismo" e, como o socialismo no Brasil seria uma "tsumani" de bosta, sonham com um regime inexistente num futuro improvável (isso para os mais românticos) ou com um bom emprego vitalício, para os mais oportunistas.
Só pessoas com a cabeça limpa de cânones ideológicos entendem que o Estado "come" a sociedade no Brasil. Come, como um buraco negro chupando luz. Isso é o óbvio que eu, pobre escriba, falo há dez anos. O Estado, ocupado pelas oligarquias e burocratas, come tudo: come a poupança pública e privada, come a Saúde. No Estado, dominado por oligarquias seculares, nosso destino apodrece. Agora, políticos em Brasília deram para falar em "república", como se tudo fosse uma questão de mudança de mentalidade. Só mudanças econômicas mudam mentalidades, só reformas no Estado. O problema é que nossos dirigentes atuais não conseguem abrir mão dessa idéia centralizadora, controladora, do lugar mágico de onde viria a remissão dos pobres, de onde viria o pênis mágico de Lênin. Os "esquerdistas" querem ser proprietários do Estado, exatamente como os velhos oligarcas já são. Daí, a palavra nova só pode vir de pessoas que produzem, que geram riquezas para o país e que sofrem, esmagados entre o ideologismo e o patrimonialismo.
Esta semana a revista "Veja" tem uma entrevista do empresário Jorge Gerdau Johannpeter onde brilha a simplicidade da verdade.
Ele diz, do alto de sua experiência produtiva no Brasil e lá fora (tem 16 fábricas do Exterior e dez aqui):
"O sistema tributário brasileiro é medieval. Se você investe cem milhões para construir uma fábrica, é obrigado a recolher 30 milhões em impostos, antes de começar a produzir. Se esse investimento fosse feito em outro país, teria custo tributário zero. Esses trinta por cento de impostos poderiam ser aplicados no que interessa: aumento de produção e geração de mais empregos. Esse modelo é semelhante aos alvarás na Idade Média, onde o nobre, para dar autorização para o comerciante trabalhar, exigia o pagamento antecipado.
(...) Aqui no Brasil os impostos consomem 54% do valor que adicionamos ao produto. Lá fora é 14%. (...), a necessidade de financiamento do Estado suga todos os recursos disponíveis para o crédito. Com sua divida enorme, o governo compete com as empresas e pessoas na obtenção de recursos dos bancos. Além disso, há uma tributação sobre os empréstimos que é única no planeta. Essa tributação quando existe lá fora é a mais baixa possível, para estimular os empréstimos. No Brasil é o inverso.
(...) Havendo pobreza no Brasil e pouquíssimo dinheiro para investir, é um absurdo que não se faça uma revolução de gestão nos gastos públicos (...) ... o governo carrega o ônus de ter de gerenciar uma dualidade comportamental do partido. De um lado o PT apóia a gestão econômica. Do outro, a combate."
É isso aí. O óbvio. Um programa que poderia ser do governo. O ululante programa. Mas o óbvio tem de ser evitado pelos burros e sonhadores. Se executassem o que Gerdau declarou, avançaríamos mais para uma "república".
O GLOBO
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