A discussão sobre a emenda constitucional que põe fim à verticalização das coligações eleitorais, que está a caminho de ser aprovada no plenário da Câmara depois de passar pelo Senado, revela muito da disputa de bastidores da campanha presidencial de 2006, com os partidos aliados querendo se livrar das amarras da legislação atual para negociar mais livremente seus apoios.
A lei que originou toda essa polêmica é de 1997, e já estava em vigor nas eleições de 1998, mas só teve efeitos práticos na eleição de 2002 porque o deputado federal Miro Teixeira, então no PDT, queria fortalecer uma coligação nacional que seu partido faria com o PPS e fez uma consulta formal ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Já naquela ocasião, o senador Renan Calheiros tentou aprovar uma emenda constitucional para evitar a verticalização, mas não teve sucesso. Pelo raciocínio reinante na ocasião, a norma seria favorável ao candidato tucano José Serra, pois o governo teria como colocar toda a sua máquina para pressionar outros partidos a fazerem coligações com o PSDB. E o PMDB, como agora, queria se livrar da obrigação de lealdade, para ampliar sua margem de negociação política.
A teoria conspiratória em meio à campanha presidencial que já apontava Lula como favorito dava como certa de que tudo não passava de uma armação organizada pelo Palácio do Planalto, com o apoio do então presidente do TSE, Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique, e muito amigo do candidato tucano Serra, com quem, aliás, já dividira até um apartamento em Brasília.
E a consulta ao TSE fora feita pelo deputado Miro Teixeira, que, apesar de ser do PDT, era amigo de Jobim e de Serra. Tudo se fechava. Veio a eleição e o que se viu foi que Lula foi eleito com o apoio informal de políticos de vários partidos, e Miro Teixeira acabou sendo escolhido por Lula para seu primeiro Ministério.
Miro continua sendo a favor do que chama de coerência das coligações — acha que o termo verticalização foi usado para estigmatizar o mecanismo — e se prepara para questionar a constitucionalidade da emenda.
Ele lembra que, pela Constituição, não é possível se fazer mudanças em questões como a República, direitos adquiridos ou direitos ou garantias individuais. E o caráter nacional dos partidos políticos está inscrito no capítulo da Constituição que trata justamente dos direitos e garantias individuais.
Como uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) só pode ser feita por um partido político ou um estado-membro da federação, ou pelo procurador-geral da República, Miro pensa em obter um mandado de segurança "para garantir meu direito de poder cumprir a Constituição, que diz que não poderá ser objeto de deliberação matéria inconstitucional".
Miro rebate ainda a tese do senador Marco Maciel, já exposta aqui na coluna, de que em uma federação, os estados deveriam ter autonomia para fazer suas coligações. Miro lembra que não somos uma confederação, e por isso nossa legislação é federal. Somente uma emenda constitucional daria autonomia aos estados, que poderiam ter leis próprias, como nos Estados Unidos.
Mas tudo indica que o esforço de Miro, embora marque uma posição política coerente, não terá conseqüências práticas, pois a maioria já se mostra favorável ao fim da verticalização. Como também ao fim das cláusulas de barreira que entram em vigor nas próximas eleições, exigindo uma votação mínima de 5% em pelo menos nove estados para o partido poder ter representante no Congresso.
O chefe da Casa Civil, José Dirceu, está articulando a aprovação para facilitar a montagem dos palanques regionais, e conta nessa tarefa com o apoio do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, que já declarou que fará tudo para aprovar a medida.
Corre no Congresso a piada segundo a qual os 300 que votaram em Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara -— alguém se lembra dos 300 picaretas de Luiz Inácio, transformados em música por Herbet Vianna? — seriam os mesmos, com mais adesões ainda, que querem se ver livre do constrangimento de uma aliança nacional para poder negociar em seus Estados apoios políticos com maior variedade de opções. E estimulados pelo Palácio do Planalto.
O PT, que na ocasião foi contra a verticalização porque entendia que era um golpe para favorecer Serra, hoje, ao contrário, já se inclina para mantê-la, pela razão oposta de Dirceu: não quer facilitar em nada as coligações regionais, pois tem candidato próprio na maioria dos Estados, e reage à orientação do Palácio do Planalto de abrir mão de candidaturas onde for possível fazer uma coligação.
Um Estado exemplar dessa dificuldade petista de fazer coligações é o Rio Grande do Sul, onde o partido tem pelo menos três candidatos potenciais, sendo que os três são ministros: Tarso Genro, da Educação; Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, e Olívio Dutra, das Cidades.
Em Santa Catarina, outro ministro, o secretário especial da Pesca, José Fritsch, não quer nem saber de abrir mão de uma candidatura que considera "natural" para apoiar a reeleição do governador Luiz Henrique, como quer o Palácio do Planalto.
Por coincidência, os governadores dos dois estados são do PMDB, que negocia ser o parceiro principal da reeleição, dando até mesmo o vice-presidente da chapa.
Que poderia ser o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, o mesmo que era presidente do TSE quando toda essa confusão de verticalização começou. E que, por coincidência, pode vir a ser chamado para decidir sobre a constitucionalidade da emenda constitucional que pretende terminar com ela, provocado por uma ação do mesmo deputado Miro Teixeira.
O GLOBO
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, abril 26, 2005
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