Confesso que tenho passado vergonha por onde ando, expondo minha pouca habilidade de explicar o inexplicável.
Aconteceu de novo na semana passada, quando enfrentei uma platéia atenta e inteligente no 4º Agrishow do Cerrado, em Rondonópolis, Mato Grosso. Apesar do calor de quase 40C à sombra e do barulho constante dos potentes ventiladores rugindo e espalhando névoa úmida por cima das cabeças do palestrante e palestrados, nenhum outro inconveniente impediu as manifestações de entendimento e, por causa disso, de raiva e quase revolta contra as catastróficas implicações da política de "estabilização" baseada nos mais altos juros do mundo, não só cobrando pedágio do agronegócio, via apreciação do câmbio, como também reduzindo o tamanho do mercado interno, estagnado há vários anos.
Havia sido mostrado àqueles homens e mulheres afeitos às exigências de uma vida de fronteira que a agricultura de um Estado de imenso potencial, como é Mato Grosso, não tem no Brasil uma plataforma amigável do ponto de vista financeiro, tributário, muito menos, logístico e infra-estrutural, menos ainda. O "custo Brasil", imposto a Mato Grosso, é estupidamente elevado, servindo o mesmo raciocínio para quase todas as demais regiões do país agropecuário.
Ninguém precisou falar do risco e do pânico de trafegar contra uma longa linha de carretas bitrens, ziguezagueando como lagartixas bêbadas à volta dos buracos e crateras das estradas federais... Bastou lembrar que o câmbio brasileiro ficou 14% mais caro que o peso chileno ou argentino desde junho de 2004 (tudo em relação ao dólar americano), enquanto o real encareceu quase 40% sobre o peso mexicano, a partir do final de 2002, ou 27% sobre o dólar de Cingapura e 19% sobre o bath tailandês. Nossos concorrentes ficaram mais competitivos. Do agricultor brasileiro se suprime renda, enquanto sua infra-estrutura se arruína.
A vergonha do palestrante -que, não sendo governo, deveria, no entanto, tentar explicar os porquês e os comos das más políticas públicas- ficou pior quando as perguntas angustiadas se endereçaram à questão dos juros, que o Banco Central acabara de elevar, aos píncaros de 19,5%. Esses juros, todos sabemos, são responsáveis pela manipulação baixista do câmbio e do reduzido crescimento da demanda interna, duas maneiras pouco inteligentes, mas certamente eficazes, de puxar a inflação para dentro do estreito brete de variação máxima admitida por são Copom.
Nesses tempos de renovada infalibilidade papal, encontrei, em Rondonópolis, brasileiros e brasileiras (muitas mulheres na platéia, anotando e perguntando) totalmente agnósticos em relação ao dogma de são Copom, segundo o qual o país produtivo deve "penar" o açoite dos juros mais altos do mundo se quiser expurgar o pecado da inflação e, um dia, ganhar o céu do crescimento econômico na faixa de 3,5% (o mundo tem crescido mais de 4%, nos últimos sete anos, sem ter de pagar a expiação de são Copom).
Voltei, no dia seguinte, lendo na Folha que o Brasil de fino trato e de temperatura climatizada, sem manchas de sol na cara, nem câncer de pele no rosto curtido, também começa a admitir que é hora de mudar de santo -ou então mudar de milagre.
Dependendo do cenário mundial dos próximos meses, são Copom corre sério risco de perder sua aura da infalibilidade. Se o dólar vier a estressar o real, não terei mais de passar vergonha por causa de são Copom, diante de pagãos inflacionistas e agnósticos impacientes. Estaremos todos ecumenicamente irmanados pelo mesmo sentimento de perplexidade e abandono que, volta e meia, nos tem dominado, por um quarto de século, nesse Brasilzão de muitos ilusionismos e muito pouca realização.
folha de s.paulo
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
quarta-feira, abril 27, 2005
O dogma de são Copom- PAULO RABELLO DE CASTRO
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
abril
(386)
- VEJA Entrevista: Condoleezza Rice
- Diogo Mainardi:Vamos soltar os bandidos
- Tales Alvarenga:Espelho, espelho meu
- André Petry:Os corruptos de fé?
- Roberto Pompeu de Toledo:A jóia da coroa
- Baby, want you please come here - Shirley Horn, vo...
- O mapa da indústria GESNER OLIVEIRA-
- JANIO DE FREITAS:A fala do trono
- FERNANDO RODRIGUES:220 vezes "eu"
- CLÓVIS ROSSI :Distante e morno
- PRIMEIRA COLETIVA
- Dora Kramer:Lula reincorpora o candidato
- AUGUSTO NUNES :Entrevista antecipa tática do candi...
- Merval Pereira:Mãos de tesoura
- Miriam Leitão:Quase monólogo
- O dia em que o jornalismo político morreu
- Eles, que deram um pé no traseiro da teoria política
- Lucia Hippolito: O desejo de controlar as informações
- Goin way blues - McCoy Tyner, piano
- O novo ataque ao Copom - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE B...
- JANIO DE FREITAS :Mensageira da crise
- FHC concedeu coletiva formal ao menos oito vezes
- CLÓVIS ROSSI :Todos são frágeis
- ELIANE CANTANHÊDE :Pelo mundo afora
- NELSON MOTTA:Coisas da política ou burrice mesmo?
- Dora Kramer: PFL quer espaço para Cesar
- Miriam Leitão:Dificuldade à vista
- Luiz Garcia :Tiros sem misericórdia?
- Merval Pereira:Barrando o terror
- Villas-Bôas Corrêa: A conversão de Severino
- Lucia Hippolito: A hora das explicações
- Let’s call this - Bruce Barth, piano
- CÂMBIO VALORIZADO
- CLÓVIS ROSSI :Quem manda na economia?
- ELIANE CANTANHÊDE :"Milhões desse tipo"
- DEMÉTRIO MAGNOLI:Preto no branco
- LUÍS NASSIF :As prestações sem juros
- Dora Kramer:À sombra dos bumerangues
- Miriam Leitão:Erro de identidade
- Merval Pereira:Sentimentos ambíguos
- Guilherme Fiuza:A culpa é do traseiro
- Georgia on my mind - Dave Brubeck, piano.
- Lucia Hippolito: Ele não sabe o que diz
- PALPITE INFELIZ
- TUDO POR UMA VAGA
- CLÓVIS ROSSI:Presidente também é 'comodista'
- FERNANDO RODRIGUES:Os traseiros de cada um
- "Liderança não se proclama", afirma FHC
- O dogma de são Copom- PAULO RABELLO DE CASTRO
- LUÍS NASSIF:Consumo e cidadania- ainda o "levantar...
- Dora Kramer:Borbulhas internacionais
- Zuenir Ventura:Minha pátria, minha língua
- ELIO GASPARI:Furlan e Bill Gates x Zé Dirceu
- Miriam Leitão: Nada trivial
- Merval Pereira:Palavras ao léu
- REFLEXOS DO BESTEIROL
- Villas-Bôas Corrêa: A greve das nádegas
- AUGUSTO NUNES:O Aerolula pousa no mundo da Lua
- VEJA:Jorge Gerdau Johannpeter
- XICO GRAZIANO:Paulada no agricultor
- Por que ele não levanta o traseiro da cadeira e fa...
- Lucia Hippolito: Eterno enquanto dure
- Luiz Garcia:Sandices em pleno vôo
- Arnaldo Jabor:Festival de Besteira que Assola o País
- Miriam Leitão:Economia esfria
- Merval Pereira:Liberou geral
- GUERRA PETISTA
- Clóvis Rossi:Apenas band-aid
- ELIANE CANTANHÊDE:De Brasília para o mundo
- JANIO DE FREITAS:Os co-irmãos
- Dora Kramer: Sai reforma, entra ‘mudança pontual’
- AUGUSTO NUNES O pêndulo que oscila sobre nós
- Resgate em Quito (filme de segunda)
- Round midnight - Emil Virklicky, piano; Juraf Bart...
- Reforma política, já- Lucia Hippolito
- INCERTEZA NOS EUA
- VINICIUS TORRES FREIRE :Bento, Bush e blogs
- FERNANDO RODRIGUES: Revisão constitucional
- Os trabalhos e os dias- MARCO ANTONIO VILLA
- Zelão / O Morro Não Tem Vez - Cláudia Telles
- Fora de propósito
- JOÃO UBALDO RIBEIRO:Viva o povo brasileiro
- Merval Pereira: O desafio das metrópoles
- Miriam Leitão:Música e trégua
- DEMOCRACIA INACABADA
- GOLPE E ASILO POLÍTICO
- CLÓVIS ROSSI:A corrida pela esperança
- ELIANE CANTANHÊDE:Asilo já!
- ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES: Reforma tributária e ga...
- ELIO GASPARI:A boca-livre deve ir para Quito
- JANIO DE FREITAS:Sonho de potência
- LUÍS NASSIF Racismo esportivo
- Quando as cidades dão certo - JOSÉ ALEXANDRE SCHEI...
- AUGUSTO NUNES: O encontro que Lula evita há dois anos
- O depoimento de uma brasileira no Equador
- Sabiá - Elis Regina]
- Diogo Mainardi:A revolução geriátrica
- Tales Alvarenga:Assume mas não leva
- André Petry: Isso é que é racismo
- Roberto Pompeu de Toledo:Fato extraordinário:um pa...
-
▼
abril
(386)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário