Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 22, 2005

ELIANE CANTANHÊDE: Receita indigesta




BRASÍLIA - Eis a receita do Equador para uma boa crise crônica: uma elite insaciável e identificada até a alma com Washington, a massa indígena e ignorante na mais vergonhosa miséria, instituições frágeis, ausência de líderes e atores políticos que não se entendem. Depois disso, só falta as Forças Armadas tirarem o time. Quer dizer: faltava.
Essa receita já derrubou três presidentes sucessivamente no Equador. O último deles foi Lucio Gutiérrez, que pediu e obteve asilo do Brasil e deve morar por uns bons tempos numa residência militar em Brasília.
Gutiérrez acrescentou aos ingredientes da crise crônica do seu país uma boa e ardida pitada de incompetência política pessoal. Elegeu-se com discurso progressista e com apoio de partidos e de setores de esquerda do sindicalismo local. Com o tempo, aderiu à cartilha neoliberal e bandeou-se para a direita -que nunca chegou a confiar de fato nele.
Gutiérrez se vai -ou melhor, vem aí-, mas a crise do Equador continua, sem chance de melhorar. Não há santo, muito menos diplomata brasileiro, argentino, venezuelano ou mesmo americano, que aposte um tostão furado sobre o que vai acontecer. Ou quando será possível, se for mesmo um dia, o país sair da crise.
O mais curioso de todo esse angu é que a economia vai bem no Equador, país que ostenta o menor índice de inflação do continente (1,2% ao ano) e que tem lucrado com a queda do dólar e a alta do preço do petróleo no mercado internacional.
O problema é aquele de sempre, nosso velho conhecido: a economia pode até parecer que vai bem, mas o povo vai mal. De mal a pior. Não há verdadeira estabilidade política sem um mínimo de justiça social. E não há o mínimo de justiça social se a economia é feita do capital, pelo capital e só para o capital.
O resultado só pode ser esse: queda de presidentes, insegurança, deterioração política e institucional. Uma baita indigestão.
Folha de S.Paulo

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