Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 30, 2005

JANIO DE FREITAS:A fala do trono

 Muito original a entrevista coletiva que Lula demorou 28 meses para conceder: em uma hora e 25 minutos de perguntas e respostas, não saiu uma só frase que acrescentasse algo, alguma coisa merecedora do nome de informação, capaz de justificar, senão os dois expedientes presidenciais consumidos em ensaios, pelo menos a longa expectativa e o tempo da própria entrevista. Mas a culpa não foi só de Lula. É difícil dizer qual dos dois lados se mostrou mais frustrante.
Mesmo a pergunta obviamente primordial, pronta na boca de qualquer pessoa, ficou pendurada em espera desanimadora: "Presidente, por que, afinal de contas, dois anos e quatro meses para dar uma entrevista coletiva, que é o modo dos presidentes transmitirem, periodicamente, esclarecimentos e informações às suas sociedades? O que houve ou há, que o presidente Lula sentiu a necessidade de não se ver perguntado?"
A maioria das perguntas refletiu a fixação mental do jornalismo brasileiro destes anos com o assunto econômico. E como, neste governo, o assunto econômico gira em torno de poucos pontos, as perguntas fizeram o mesmo. Juros na cabeça, é claro. O que permitiu a Lula mostrar certo progresso, tão poucos dias depois de censurar os brasileiros que não mudam de banco para buscar juros menores. Disse ele, a meio de uma das perorações: "Não é tão simples uma pessoa mudar de banco".
Em compensação, aproveitou uma das suas historinhas, entre as várias que sacou desde sofás aos mal lembrados tempos metalúrgicos, para cometer uma das suas. Citou, em uma das tantas defesas diretas e indiretas dos juros em seu governo, a luta do "deputado Gasparian durante dois anos" (o então constituinte Fernando Gasparian) para incluir na Constituição o teto de 12% ao ano para os juros. "Não só não conseguimos como aquilo era uma guerra no plenário", ensinou Lula ao auditório. A luta, que em vez de dois anos durou só o tempo da Constituinte, permitiu dizer "nós conseguimos, sim". O art.192, par.3º, da Constituição assinada por Lula proibiu juros reais (inclusive taxas e comissões) acima de 12% a.a., considerando crime a cobrança superior ao teto. E Lula liderou o PT na luta, perdida, quando Fernando Henrique quis a exclusão do teto constitucional.
O insistente capítulo dos juros levou a outra insistência. A do próprio Lula, na petição, várias vezes, desta frase: "Os juros não podem ser o único instrumento de combate à inflação". Muito bem. Mas por que o governo Lula, além de ter os juros como esse único instrumento, está já no seu terceiro ano sem fazer -pior, sem permitir- sequer o mínimo ensaio de outros modos anti-inflacionários? Isso passou em branco, como, de resto, aconteceu com o assunto de muitas perguntas, burlado por respostas sempre longas para serem mais facilmente tergiversantes.
Para quem prometeu 10 milhões de empregos em quatro anos, encher o peito para falar de 91 mil, e acrescentar que dorme bem por ter "a consciência de que faz o que deve pelo povo brasileiro", é grotesco como ato pessoal e autocondenatório como expressão presidencial. Mas por aí foi a entrevista, no incontrolável tom de campanha que têm as falas de Lula, sempre na base do "estamos preparando" e "vamos fazer". Com o apropriado clímax de encerramento: "Não estou fazendo um Brasil para mim. Estou construindo para o futuro. Eu quero um Brasil para os meus netos".
Pois muitos outros queremos um Brasil para os que hoje não recebem os meios de uma vida humanamente justa. Essa história de futuro tem 500 anos de Brasil. E nem por um só dos seus invocadores foi mais do que uma fuga às suas responsabilidades.
FOLHA DE S.PAULO

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