Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 22, 2005

NELSON MOTTA: Boca-livre, paixão nacional




RIO DE JANEIRO - Quando morei em Nova York, uma vez por ano testemunhava, constrangido, a revoada de parlamentares brasileiros, de todos os partidos, para uma trepidante semana de boca-livre em Manhattan, como "observadores" da Assembléia da ONU, com tudo pago pelo suor de nossos impostos.
Além de contribuir para pagar a conta com uma fração de meu tempo e de meu trabalho, de minha vida, portanto, eles ainda me matavam de vergonha com seus cabelos "graúna" e "acaju", apertados em seus ternos de tecido brilhante, adentrando o Plaza deslumbrados com a cafonice dourada do hotel, uns com as madames e outros com as amantes, sempre com várias sacolas de compras, todos de tênis novos, desfrutando aquela festa até a última ponta. Mas, afinal, o que observavam esses observadores? Observavam um bando de gente falando, em línguas que eles não entendiam, sobre assuntos que não lhes interessavam. E por que essa sem-vergonhice cara e absurda ainda continua?
Talvez porque nessas caravanas eu sempre me surpreendia e decepcionava com alguns nomes que considerava respeitáveis, misturados aos 300 picaretas de sempre. É, para um brasileiro típico, como a maioria dos parlamentares, é difícil, quase impossível, rejeitar uma boca-livre. É uma fome que não zera nunca. Quanto mais comem, mais fome têm.
Agora, a Microsoft formou um "bonde" multipartidário para ir a Washington ouvir palestras de Bill Gates e Colin Powell. E, naturalmente, receber dos lobistas da MS mil motivos técnicos para, por exemplo, ser contra o software livre na administração pública. Eles dizem que a viagem e as mordomias não afetarão seus votos, só vão aproveitar a bocada. E, certamente, só foram convidados porque os otários da Microsoft têm mania de proporcionar bocas-livres a brazucas vorazes.
Mas algum dia nós é que vamos pagar essa conta.
Folha de S.Paulo

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