No dia 13 de janeiro de 1999, o Brasil mudou a política cambial. Era um momento de profunda tensão e incerteza. Tailândia, Coréia, Rússia haviam quebrado uma após a outra quando mudaram a política cambial. O governo achou que podia sair devagar e tentou a banda diagonal endógena, experimento que durou 48 horas. Foram terríveis aquelas 48 horas. Neste ambiente de nervosismo que dois bancos, Marka e Fonte Cindam, foram apanhados no contrapé. Tinham apostado que o câmbio não mudaria e ele mudou. Ao Fonte Cindam, o Banco Central vendeu dólares futuros no teto da banda, o que é rigorosamente o que um BC faz no regime de banda.
Na banda cambial, o Banco Central se compromete a vender quando a cotação bate no teto e a comprar quando está no piso. Se ele quiser vender acima disso, ou se recusar a vender no teto, está anunciando que a banda não existe mais. O Banco Central, em vez de vender as reservas, vendeu câmbio futuro. Ao Fonte Cindam, o BC vendeu exatamente no teto da banda R$ 1,32. Ao Marka, vendeu um pouco mais baixo. Olhando com olhos do que se passou depois, pode-se dizer que o Banco Central fez um péssimo negócio, porque no dia 15 de janeiro não foi possível mais segurar a cotação. E o câmbio flutuou. Mas, no momento da operação, os responsáveis pelo Banco acreditavam que seria possível manter a cotação.
O que foi o prejuízo do Banco Central? Foi o que aconteceu depois, porque, na flutuação, o dólar disparou. Mas, naquele momento, o governo estava tentando manter a banda diagonal. Mesmo assim, é preciso entender um detalhe da operação.
— Fala-se desse prejuízo como se houvesse num balanço apenas o lado do passivo. O Banco Central vendeu câmbio futuro se comprometendo a pagar a diferença de cotação, mas ficou com as reservas. No dia da operação, as reservas tinham se valorizado na mesma dimensão da perda. Portanto, no caso do Fonte Cindam, não houve prejuízo — diz o ex-ministro Mailson da Nóbrega.
No caso do Marka, foi um pouco diferente, porque a venda do câmbio foi no meio da banda. Precisamente a R$ 1,285. Este era o ponto que zerava o patrimônio do banco e não deixava haver inadimplência na BM&F. A condição para fazer a operação foi que o banqueiro Salvatore Cacciola sairia do mercado e o banco deixaria de existir.
Em vários momentos de tensão e de especulação, um Banco Central toma decisões para evitar o que ele supõe ser o risco maior. Em 2002, por exemplo, havia muita especulação no mercado sobre o que seria o governo Lula. O BC vendeu título corrigido pelo dólar para tranqüilizar quem temia que o novo governo pudesse, por exemplo, centralizar o câmbio, que era uma antiga proposta do PT. Num primeiro momento, foi um mau negócio porque o dólar continuou subindo e bateu quase em R$ 4,00. Atravessada a incerteza, a cotação voltou ao normal.
No caso da crise de 99, que alternativa tinha o Banco Central? Os ex-dirigentes do BC estão convencidos até hoje de que havia o risco de crise sistêmica. Acham que, se os dois bancos não honrassem seus contratos na BM&F, ela não teria como cobrir o prejuízo e isso poderia levar a uma onda de quebras de diversas instituições. Vários ex-dirigentes do Banco Central daquele e de outros governos testemunharam que havia, sim, risco de que se desencadeasse uma onda de quebras de bancos e corretoras. A juíza que está cuidando do caso admite que talvez houvesse esse risco. Diz, sobre Francisco Lopes, que “muito embora sua atuação em relação ao Banco Marka pudesse inicialmente ser justificada para a evitação de risco sistêmico, a forma imoral de intervenção bem demonstra sua concepção distorcida das relações entre o Estado e a iniciativa privada”. E deu a todos penas perto do teto.
O decorrer do processo poderá ajudar a Justiça a conhecer melhor todos os pontos e separar o que é atuação normal de um Banco Central em momento de crise e o que é irregularidade. Por enquanto, as coisas parecem misturadas. No caso de Luiz Antonio Gonçalves, do Banco Fonte Cindam, por exemplo, a juíza cita o seguinte: “Quanto às circunstâncias e conseqüências do crime, considero merecedora de especial reprovabilidade a irresponsabilidade de continuar apostando alto na BM&F no delicadíssimo contexto de 99, mesmo quando os indicadores apontavam para o perigo dessas apostas.” E disse que ele merecia a pena porque estava agindo assim por “cobiça sem limite”.
No contexto, o que o Fonte Cindam estava fazendo era apostar que o governo estava certo e que conseguiria manter o câmbio sem alteração. A maioria apostava contra o governo. A maioria ganhou; os dois bancos perderam. As autoridades todas da República sustentavam que o câmbio não mudaria, davam declarações garantindo que a política seria mantida, o FMI tinha dado um empréstimo garantindo que não haveria mudança na política cambial. E, até a decisão de mudar o câmbio, o que o BC tem que fazer é manter a política, usando os instrumentos de que dispõe, como o de venda de garantias cambiais. Foi um erro de avaliação achar que o governo manteria sua posição, mas não uma “irresponsabilidade merecedora de especial reprovabilidade”.
O ideal será que, ao longo do processo, entenda-se exatamente o que houve de errado e de absolutamente normal naquela operação. Uma pessoa sobre a qual realmente pairam dúvidas razoáveis, por uma série de irregularidades detectadas depois, fugiu do país. As outras aqui permanecem.
Entrevista:O Estado inteligente
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