Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 05, 2005

Jornal O Globo - Luiz Garcia: Falabilizando

É sempre agradável encontrar aliados em nossas guerras de amor. No caso presente, pelas palavras. Amor e respeito pelas veteranas e honestas palavras do português falado no Brasil.


Não se trata de paixão cega ou surda: todo idioma que se preza não hesita em adotar palavras que o enriqueçam, venham de onde vierem. O que seria de nós, por exemplo, sem bares ou motéis? Temos de ter a humildade de incorporar até mesmo termos não aportuguesados. Ou vamos trocar o mouse por um ratinho ou camundongo?

Mas ter a mente e o coração abertos para adoções não exige que se abra mão da inteligência. Esta nos impede, por exemplo, de aceitar “planta” (do inglês “plant”) com o sentido de instalação industrial. Porque é desnecessário e pernóstico — e o bom idioma preserva sua força e sua herança importando apenas o indispensável.

Por amor ao bom português qualquer bom brasileiro apreciará a pérola que vai abaixo, de Ricardo Freire. Colhi-a na internet, mas saiu numa revista há quase dois anos.

“Não, por favor, nem tente me disponibilizar alguma coisa, que eu não quero. Não aceito nada que pessoas, empresas ou organizações me disponibilizem. É questão de princípios. Se você me oferecer, me der, me vender, me emprestar, talvez eu venha a topar. Até mesmo se você tornar disponível, quem sabe, eu aceite. Mas, se você insistir em disponibilizar, nada feito.

“Caso você esteja contando comigo para operacionalizar algo, vou dizendo desde já: pode tirar seu cavalinho da chuva. Eu não operacionalizo nada para ninguém. Tampouco compactuo com quem operacionaliza. Se você quiser, eu monto, eu realizo, eu aplico, eu ponho em operação. Se você pedir com jeitinho, eu até implemento. Mas, operacionalizar, jamais. (...)

“Por falar nisso, é bom que você saiba que eu parei de utilizar. Assim, sem mais nem menos. Eu sei, é uma atitude um tanto quanto radical da minha parte, mas eu não utilizo mais nada. Tenho consciência de que a cada dia que passa mais e mais pessoas estão utilizando, mas eu parei. Não utilizo mais. Agora só uso. E recomendo. Se você soubesse como é muito mais elegante, também deixaria de utilizar e passaria a usar.

“Sim, estou me associando à campanha nacional contra os verbos que acabam em ‘ilizar’. Se nada for feito, daqui a pouco eles serão mais numerosos do que os terminados simplesmente em ‘ar’. Todos os dias os maus tradutores de livros de marketing e administração disponibilizam mais e mais termos infelizes, que imediatamente são operacionalizados pela mídia, reinicializando palavras que já existiam e eram perfeitamente claras e eufônicas.

“É triste demorar tanto tempo para a gente se dar conta de que ‘desincompatibilizar’ sempre foi um palavrão. Precisamos reparabilizar nessas palavras que o pessoal inventabiliza só para complicabilizar. Caso contrário, daqui a pouco nossos filhos vão pensabilizar que o certo é ficar se expressabilizando dessa maneira. Já posso até ouvir as reclamações: ‘Você não vai me impedibilizar de falabilizar do jeito que eu bem quisibiliser.’ Problema seu. Inclua-me fora dessa.”


Nenhum comentário:

Arquivo do blog