Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Batalha perdida

HELDER ANTONIO AGOSTINI DE MATOS

No início da década de 90 retornei ao Rio de Janeiro, após uma jornada profissional na Amazônia, onde trabalhei em uma bem-sucedida iniciativa de controle de malária no então incipiente campo de petróleo do Rio Urucu. Uma das particularidades desse trabalho foi viabilizar infra-estrutura médicosanitária para desenvolvimento de ações no interior da floresta, em região antes inabitada, repleta de mosquitos.

No que diz respeito à malária, o desafio foi inimaginável: desde a descrença absoluta das autoridades regionais em qualquer forma de sucesso no seu controle até a inexistência de modelo local compatível com o empreendimento.

Recrutamos e treinamos pessoal, conveniados com a então Sucam.

Não havia como controlar vetores buscando apenas ou sequer imaginando buscar criadouros de insetos! Os rios amazônicos mudam de curso anualmente, deixam lagos imensos em áreas alagadas após retornarem de suas cheias, sem contar na imensidão de árvores gigantescas que podem abrigar uma infinidade de pequenas poças...

Ora, o Rio de Janeiro e o país estão se confrontando com casos de dengue e infestação pelo vetor, imbatível, desde aquela época! Surpreendeu-me que por aqui se estivesse valorizando tanto a busca de criadouros e se combatesse de forma tão débil o vetor adulto... Ao longo de mais de uma década tenho observado esse paradoxo e as manchetes sobre a dengue falam por si. Não preciso dizer mais nada, além da constatação, ao me encontrar hoje com um profissional de saúde, agora em seu segundo episódio de dengue, com manifestações hemorrágicas: apesar do sucesso com uso de fumacês por aqui, em décadas e situações anteriores, o Rio e nossas cidades estão menosprezando aquilo que a Amazônia nos forçou a fazer a partir de incertezas diante de sua vastidão, já que a borrifação de inseticidas não teria como cobrir todo o campo operacional de maneira lógica e racional.

Duas décadas do modelo atual de controle do Aedes demonstram que “algo mais” merece ser feito! Já ouvi em congresso que o tamanho da gotícula dos borrifadores era um empecilho para seu melhor uso nesta cidade, lá longe, no início dos anos 90! Isso quando já os usávamos com pleno sucesso nas estradas e nos acampamentos em terra batida do Urucu, nos finais de tarde morna e úmida, permitindo que milhares ali trabalhassem e vivessem sem qualquer episódio de contaminação! Encerro com profunda tristeza, semelhante àquela que vivi quando me deparei com servidores contratados para controle de vetores, acampados na Cinelândia, reivindicando readmissão nos quadros da Funasa, pouco antes de mais uma escandalosa epidemia de dengue, ao longo dos anos 90, fruto do descaso de então para com esta que já se impõe como eterna vergonha da saúde pública em nosso país.

Por favor, não queiram me convencer que o modelo atual é eficiente, que não temos outra alternativa, sem também atacar os insetos adultos... Isso requer estratégias, gastos, dirão alguns, mas por que ainda não fazemos? Vamos continuar assistindo a manchetes diárias com mortes e aumento do número de casos por mais quantas vezes e décadas?

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