Assim, o que é legal sempre "pode ser feito" por qualquer um, inclusive se servidor público. Mas na "sintonia fina" da ética pública - que extrapola as questões de legalidade - os limites são mais estreitos. O comportamento do servidor tem que se pautar por um grau de exemplaridade ética que traduza o máximo rigor no trato da coisa pública, razão por que se elaborou o Código de Conduta da Alta Administração Federal (aprovado por decreto presidencial), cujo cumprimento passou a ser monitorado pela Comissão de Ética Pública - e aí está sua função precípua, sua razão de ser.
Por exemplo, não há lei que proíba, mas é eticamente inaceitável o servidor aceitar presente dado por pessoa, empresa ou entidade que tenham interesse em decisão da autoridade ou do órgão a que esta pertença. O servidor não poderá exercer atividade político-eleitoral em prejuízo da função pública, como no horário de expediente ou em detrimento de suas obrigações. A participação em processo decisório que resulte em benefício, direto ou indireto, a partido político configura transgressão. Esses são apenas alguns exemplos das limitações éticas impostas pelo Código e, em decorrência, cobradas pela Comissão. O problema é que, até por haver "uma zona cinzenta entre o que é legal e o que é ético" - como reconhece o presidente da Comissão, Marcílio Marques Moreira -, surgem interpretações que dão à Ética uma ambigüidade que não é admissível.
Em reunião realizada segunda-feira, Marcílio e os demais integrantes da Comissão voltaram a cobrar, do presidente da República, a exoneração do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, por este não desistir de acumular o comando da Pasta ministerial com a função de presidente do PDT - acumulação julgada eticamente inaceitável, pela possibilidade de conflito de interesses entre governo e partido político. A primeira cobrança fora feita em novembro e até agora nada foi resolvido a respeito. Se não cabe à Comissão, até por motivos éticos, lançar um ultimato ao presidente da República, ameaçando-o com a demissão coletiva caso não exonere o ministro - o que teria péssima repercussão política, inclusive internacional, para um governo tisnado por escândalos como o do mensalão -, também não tem sentido ela esperar indefinidamente uma solução que não chega. E menos sentido tem ainda o presidente Lula esperar um parecer da AGU sobre a questão, porque a Advocacia-Geral da União só tem competência para opinar sobre a legalidade e não sobre os aspectos éticos do caso em tela.
Interpretação mais ambígua ainda - para dizer o menos - do que seja comportamento ético teve o secretário-adjunto da agora ex-ministra Matilde Ribeiro, da Promoção da Igualdade Racial. Como na mesma reunião a Comissão de Ética Pública decidiu pedir à CGU que investigue indícios de crime no uso abusivo do cartão de crédito corporativo, por parte da ministra, o secretário-adjunto viu nisso o reconhecimento, pela Comissão, de que "não houve nenhum desvio da ministra", razão pela qual transferiu o exame da questão para outro órgão. O argumento é d?escachar!
Não há como o presidente Lula fugir a uma decisão. Se não decidir que seu ministro faça a escolha entre o Ministério e a presidência do PDT, terá que decidir se deve, ou não, existir um órgão, vinculado à Presidência da República, com a função de zelar pelo cumprimento do Código de Conduta da Alta Administração Federal, orientar as autoridades para que se conduzam de acordo com suas normas e inspirar, assim, o respeito da população ao serviço público.