Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Despreocupação com as aparências

Justiça seja feita, não foi o governo do PT que inaugurou a prática do loteamento de cargos na administração pública em troca de apoio no Congresso que poupe o presidente da República de maiores atribulações.

O que distingue este governo dos que o precederam, nesta prática, é a sua impudicícia.

Houve tempo em que os patronos e os seus candidatos às nomeações - ambicionadas pelo poder e prestígio que lhes conferem - ainda se davam ao exercício da hipocrisia. Alegavam que a finalidade última de todo o seu empenho era permitir que os indicados, graças ao seu manifesto espírito público, competência e conhecimento de causa que só os invejosos não enxergavam, se pusessem a trabalhar pelo País, contribuindo para a eficiente realização do programa do governo que apoiavam por ser, evidentemente, o melhor para os brasileiros.

Com o passar dos presidentes e a resignação quase geral à imbatível rotina do loteamento dos principais escalões da burocracia, os políticos pararam de fingir. Depois que o governo do partido que prometia "acabar com tudo isso que está aí" revelou-se o mais desbragado adepto do que desde sempre "lá estava", desapareceu a preocupação com "salvar as aparências". Falam de seus pleitos - e dos riscos que o Planalto corre se não os atender - como de um direito natural. E não escondem, em certos casos, que as vagas requeridas não precisam ser essas ou aquelas, especificamente: qualquer uma serve desde que nas repartições que entendam ser rendosas para os seus interesses eleitorais. A tal ponto que, por inútil, já não passa pela cabeça nem de um repórter principiante no setor perguntar aos caciques, como quem não quer nada, qual o nexo entre as suas preocupações com os assentos disponíveis na primeira classe do jumbo estatal e o aprimoramento dos padrões de governança. Publicadas, se a tanto se chegasse, as respostas seriam um desperdício de espaço jornalístico e do tempo do leitor.

Nas últimas semanas, em todo caso, o espetáculo da fisiologia voltou a ser notícia, na esteira do achincalhe que foi a nomeação, para o Ministério de Minas e Energia, do senador Edison Lobão - aliás, o pai do notório Edinho, que herdou, em decorrência, a poltrona senatorial desocupada. A disputa feroz pelos cargos de direção no organograma da Pasta entre os Q.I. (quem indica) do PMDB, que a trata como seu terreno privativo de caça, com o beneplácito do presidente Lula, pôs em evidência mais do mesmo: o transbordante desagrado da coalizão governista com as nomeações em penca prometidas e esquecidas desde o início do segundo mandato. Às vésperas da retomada dos assim chamados trabalhos parlamentares, na Quarta-Feira de Cinzas, os inquietos aldeões tratavam de avisar que, ou o Planalto toma jeito - e logo - ou eles deixarão em banho-maria as questões que mais lhe importam: os cortes no Orçamento e a aprovação da medida provisória que elevou alíquotas da CSLL, por exemplo.

"Não há hipótese" (de esperar até março pelas nomeações), exclamava o líder peemedebista na Câmara dos Deputados, Henrique Alves, ao jornal Valor de sexta-feira. "Precisamos resolver isso antes que comecem as votações importantes." Vista do Congresso, a lentidão no preenchimento dos postos se explicaria pela relutância de diversos ministros a aceitar novos ocupantes - o que exigiria o antipático desalojamento dos atuais -, não obstante as peregrinações à Esplanada do titular das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. "Isso o Walfrido Mares Guia (seu antecessor) começou a fazer em março do ano passado", queixa-se o líder do PSB na Câmara, Márcio França. "De lá para cá nem 10% dos cargos foram preenchidos." O deputado lembra que o fracasso valeu a Mares Guia o apelido de "ministro do futuro". Outra forma de encarar o problema remete ao recuo de Lula da alternativa de adotar o sistema da "porteira fechada".

Distribuídas as Pastas pelas legendas da base, cada qual ficaria responsável por tudo que se passasse no seu feudo, incluídas, naturalmente, as nomeações para os afamados cargos de confiança no segundo e terceiro escalões. A origem da idéia estava no receio do presidente de ser atingido pelos estilhaços de um escândalo no interior de um Ministério, pois o envolvido teria chegado lá com a sua anuência. O esquema teria a desvantagem de enfraquecer a autoridade presidencial sobre o Gabinete - se houvesse vontade de exercê-la.

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