Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 17, 2008

Suely CaldasSegurança nacional?




Aparentemente sem relação entre si, dois acontecimentos nesta semana despertaram a atenção.
Em entrevista publicada na terça-feira, neste jornal, o ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, comparou a atitude do governo de invocar "razões de segurança nacional" para proibir a divulgação dos gastos pessoais do presidente Lula e de seus familiares a práticas da ditadura militar que, sob o mesmo argumento, justificava a "opressão intolerável do Estado sobre os direitos do cidadão".

Na quinta-feira morreu no Rio de Janeiro o general Job Lorena de Sant?Anna, que, ao comandar o inquérito sobre a bomba no Riocentro, em 1981, inocentou e transformou em vítimas um tenente e um sargento do Exército flagrados armando a bomba para ser explodida contra a multidão, reunida em um show comemorativo ao Dia do Trabalho.

Na entrevista, Celso de Mello diz ter especial preocupação com a ressurreição do conceito de "segurança nacional" por ter sido sua geração "fundamentalmente atingida por atos de arbítrio quando vigente o regime militar e que foram praticados sob a invocação deste conceito". Em nome da "segurança nacional", os militares suprimiram a liberdade do cidadão, censuraram a imprensa, perseguiram opositores, prenderam e torturaram. Agora o conceito serve para "ocultar, legitimar atos de improbidade administrativa", adverte o ministro do STF. 

Para divulgar o relatório do inquérito do Riocentro, o então coronel Job Lorena de Sant?Anna convocou a imprensa para uma entrevista, onde - tratou de avisar a todos - era proibido perguntar, gravar e anotar, exatamente ações indispensáveis ao trabalho do jornalista. Na época representando o jornal Gazeta Mercantil, ousei fazer a única pergunta que - imaginava - seria capaz de desmascarar a falsa versão apresentada no inquérito. 

"Sente-se e se cale - respondeu ríspido o coronel - reitero a todos: perguntas estão proibidas nesta sessão." Seguiu com sua farsa e ignorou solenemente minha pergunta. 

Felizmente hoje vivemos sob o regime democrático, a imprensa é livre e o cidadão não se sente intimidado em criticar abusos de funcionários públicos praticados com cartões de crédito corporativos. Justamente por isso surpreendeu a atitude do governo Lula de censurar informações a que o cidadão tem o legítimo direito de conhecer para melhor avaliar seus governantes e por se tratar de dinheiro público. O coronel mandou sentar e calar. Lula ordenou tirar da internet dados sobre os gastos da Presidência e de seus familiares, esconder compras indevidas dos seguranças da filha Lurian, os saques sem explicação de R$ 650 mil em dois anos da ecônoma da primeira-dama Marisa Letícia. Afinal, o que isso tem a ver com segurança nacional?

O conceito de segurança nacional é aplicado em situações extremas, de risco e perigo para o país e sua população. Quem planejou o assassinato do presidente do Timor Leste, José Ramos-Horta, não partiu da informação sobre a quantidade e qualidade dos vinhos que ele eventualmente consumia. Mas quem ocupa um cargo público tem o dever, a obrigação de explicar como gasta o dinheiro que a população lhe entrega pagando impostos. Isso está na essência da democracia. Afinal, estão em jogo R$ 78 milhões consumidos em cartões e só 25% desse valor foi explicado por meio de faturas. O restante foi sacado em dinheiro, na boca do caixa do banco, por ministros e funcionários graduados, sem nenhuma prestação de contas. 

Ao mencionar o grande jurista e pensador político italiano Norberto Bobbio, o ministro Celso de Mello afirma na entrevista: "O que caracteriza e qualifica o caráter democrático de um regime político é a sua plena exposição aos atos de controle social. O regime democrático nada mais é do que a prática do poder público em público." O contrário acontece nas ditaduras: o ditador age escondido, nunca se expõe ao controle social. Quando ele cai e a liberdade ressurge a dura verdade aparece. Assim foi com as descobertas dos crimes de Stalin e de Hitler. 

Diferentemente deles e de Hugo Chávez, Lula já mostrou não ter vocação para ditador, mas a consciência de seu papel como homem público está precisando de muitos reparos. Na adversidade, ele age com impetuosidade e acaba se atrapalhando. No caso dos cartões corporativos, pegou mal esconder os gastos do presidente e família justamente no momento em que o Ministério Público e a imprensa denunciam abusos. Gera suspeita e desconfiança. Ou será que há razões concretas para esconder e temer a divulgação? 


*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-RJ. E-mail: sucaldas@terra.com.br

Arquivo do blog