Em 1979, quando o general João Figueiredo deixou a chefia do Serviço Nacional de Informações (SNI) para presidir o último governo militar, o país soube que o escolhido fora poeta na mocidade. Os versos publicados informavam que, por respeito à rima, o autor abusava dos verbos no infinitivo. "Quem ouvir clarim tocar/tem que se exaltar!", decretava, por exemplo, a abertura de Chora clarim!. Em 1999, o general Octávio Medeiros, chefe do SNI durante o governo Figueiredo, falou à imprensa pela primeira (e última) vez. "Me deixa em paz, recebi ordens para não falar", rosnou para o repórter da revista Veja que o abordara no meio da caminhada vespertina por uma rua do Rio. Militares na reserva não recebem ordens, estranhou o jornalista. "Não foi ordem, foi pedido", encerrou Medeiros. Instalados no comando do SNI, ambos haviam contribuído para induzir o Brasil a acreditar que o ocupante do cargo deveria preencher três pré-requisitos: ser general-de-brigada, usar óculos escuros e não abrir a boca em público. Fora do cargo, os dois revelaram - um com dois versos, outro com duas frases - que havia uma quarta exigência. Além dos outros pré-requisitos, o chefe do serviço secreto à brasileira deveria alimentar a suspeita de que nem sempre há vida inteligente sob um quepe. Figueiredo pelo que disse e pelo que deixou de fazer, Medeiros pelo que fez e pelo que deixou de dizer, nenhum tinha mais neurônios que estrelas na farda. O SNI foi enterrado há mais de 20 anos no fundo da vala comum das más lembranças. Mas o serviço secreto não morreu. Seja lá qual for seu nome, todo país tem um, decidiram os civis um minuto depois da chegada ao poder. E alguém precisa estar no comando dessa relevância, constaram no segundo seguinte. Assim começou a gestação do que hoje tem o nome de Agência Nacional de Inteligência. (Podem chamá-la de Abin. Ela atende). Assim começou a carreira de Jorge Armando Félix como integrante do elenco permanente do Teatrão do Planalto. Finge que não, mas é ele o comandante dos arapongas federais. Disfarçado de chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, passou alguns anos no semi-anonimato dos figurantes. Transformou-se num dos destaques do grupo graças ao bom desempenho no espetáculo dos cartões corporativos. E o país soube que, dos quatro pré-requisitos vigentes na fase crepuscular do período autoritário, apenas dois não perderam o prazo de validade. O chefe da turma que garante nas sombras a segurança da pátria é um general-de-brigada. Mas o governo dispensa tanto o uso de óculos de aviador quanto o voto de silêncio. Félix fala até demais, vive dizendo o que pensa. Acha, por exemplo, que a divulgação da gastança da Primeira Família ameaça a segurança nacional. Deve ficar em segredo até a conta da lavanderia. Se descobrirem que o presidente prefere cuecas samba-canção, alguma coisa farão o que o general qualifica de "grupos inimigos". Ele também prefere guardar sigilo sobre o desperdício de dinheiro promovido por arapongas armados de cartões corporativos - que preenchem a papelada só com números de seis dígitos. Quantos neurônios tem na cabeça um homem que pensa assim? Outro segredo. Cabôco Perguntadô O senador Romero Jucá passou a vida tentando esconder. Resolveu agora descobrir, sugere o entusiasmado apoio do parlamentar de Roraima à instalação de uma CPI para apurar a farra dos cartões corporativos. Além de abrir a caixa-preta da gastança do governo Lula (do qual é líder no Senado), Jucá quer esquadrinhar o sumidouro do governo FH (do qual foi líder no Senado). A metamorfose de Jucá deixou o Cabôco intrigado. Até agora, o Banco da Amazônia não viu a cor daquele empréstimo concedido, ainda no século passado, ao senador que ofereceu em garantia sete fazendas que não tinha no Pará. O Cabôco quer saber se o latifundiário do ar teve o calote anistiado pelo governo Lula. Um governador na encruzilhada Curvado ao peso das contas pagas com cartões corporativos financiados pelos contribuintes paulistas, o governador José Serra suspendeu o uso do dinheiro de papel. Fez muito bem. Mas é pouco. Para superar a encruzilhada, terá de escolher entre as opções disponíveis. Primeira: vasculhar sem medo o buraco negro, divulgar detalhadamente o que foi encontrado, punir quem pecou, corrigir o que há de errado e mostrar ao Brasil que o governo paulista é diferente do federal. Segunda: continuar repetindo que cartão de débito não tem nada a ver com cartão de crédito, fazer de conta que está tudo bem e, com a discrição possível, costurar uma aliança entre o PSDB e o PT para 2010. Terceira: não existe. O choro que engrandece O sorriso de menino que chega surfando à praia pela primeira vez, esse o Brasil inteiro conhece. O choro de Guga só foi apresentado ao país na semana passada. "Peço desculpas à galera, mas não consigo mais", disse depois da derrota no jogo que abriu a cerimônia do adeus. Os soluços foram engolidos pela estrondosa ovação ao tricampeão de Roland Garros, ao gênio do saibro que liderou por um ano o ranking dos melhores do mundo. Na quadra em Pernambuco, o herói ouviu a voz do Brasil. Poucos tenistas foram tão grandes quanto Guga em seu apogeu. Raríssimos homens enfrentam a hora do crepúsculo com tanta grandeza quanto o herói que pediu desculpas ao país que lhe deve tanto. A esperteza que só dá prejuízo A União Européia concluiu que o Brasil só pode rastrear adequadamente os rebanhos de 300 fazendas. Como o Ministério da Agricultura enviou uma lista com quase 3 mil propriedades rurais, o cliente suspendeu a importação da carne bovina brazuca. "Eles têm vaca louca e ficam dando palpite", irritou-se o presidente Lula. "Foi pressão dos irlandeses", decidiu o ministro Reinhold Stephanes. Na quarta-feira, assustado com o prejuízo de R$ 5 milhões por dia, ele admitiu que toneladas de carne haviam embarcado sem que fosse cumprido o combinado com os europeus. E anunciou o envio de outra lista, prontamente devolvida. Incluía 700 fazendas. O comprador tem vaca louca. O vendedor não tem cérebro. Yolhesman Crisbelles "Por que o povo cubano não pode viajar pelo mundo?", perguntou um estudante da ilha caribenha a Ricardo Alarcón, presidente da Assembléia Nacional. A resposta, um dos sucessos do momento na internet, garantiu ao inventivo entrevistado a conquista da taça da semana: Se todos os 6 bilhões de habitantes da Terra pudessem viajar para onde quisessem, a confusão que haveria nos ares do planeta seria enorme. É por isso que viajar não pode ser considerado um direito de todo mundo. Os que viajam são uma minoria. Quando os irmãos Fidel e Raúl partirem, Ricardo Alarcón terá boas chances de assumir o trono de Cuba. Ele merece.
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Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, fevereiro 17, 2008
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