Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 17, 2008

ENTREVISTA Arminio Fraga

Recessão nos EUA será 'suave e prolongada'

Ex-presidente do BC alerta para explosão de dívidas dos americanos e vê 'bolha' no mercado de ações na China


 

Ex-presidente do Banco Central de 1999 a 2002, Arminio Fraga diz que é alta a chance de os Estados Unidos mergulharem numa recessão: “Não tão violenta, mas suave e prolongada”.
Hoje sócio da Gávea Investimentos, com sede na Zona Sul do Rio, o economista carioca, que joga golfe, indica a Lapa para amigos americanos que visitam a cidade e gosta do Casseta & Planeta, vem sentindo na pele a turbulência que sacudiu os mercados nos últimos meses: ele dorme só depois de olhar, de casa, a abertura das bolsas da China e do Japão. Quando os pregões asiáticos despencam, é avisado de madrugada por plantonistas da sua empresa. Para Arminio, existe uma “bolha” no mercado de ações chinês. Sobre a gangorra dos mercados, é direto: “Hoje o medo está suplantando a ganância”. Otimista com o que chama de tendência virtuosa do capitalismo no Brasil, desde que mantidas “a estabilidade macroeconômica e as regras do jogo”, ele acha que o país está forte, mas não imune a um choque externo. Segundo Arminio, os juros reais deveriam cair dos atuais 6% a 7%, para 4%, como no México: “Só que o país precisa melhorar seus fundamentos fiscais e frear os gastos públicos”.

Liana Melo e Gustavo Villela

O GLOBO: O megainvestidor George Soros disse que a atual crise internacional é a pior desde a Segunda Guerra Mundial. O senhor, que trabalhou com Soros, está tão assustado quanto ele? 

ARMINIO FRAGA:
 Realmente ele está muito assustado com o que está acontecendo no mundo. Soros acha que é o fim de um grande ciclo de alavancagem. Ao contrário das crises do passado, a atual é de alavancagem das pessoas e não das empresas. A alavancagem está nas famílias, que se endividaram com seus cartões de crédito, comprando carros e imóveis.

Com os Estados Unidos vivendo um período de prosperidade, de lucro nas bolsas e imobiliário, os americanos se sentiram ricos e pararam de poupar.

O pior da crise americana e da desaceleração global já passou ou ainda está por vir? ARMINIO: É difícil dizer. Vejo ainda muita incerteza, por isso tenho sido cuidadoso, mas acho que os riscos ainda são bastante grandes. E que a crise é grave, não há dúvida. Só que ainda é difícil saber se a resposta de política econômica dada, especialmente pelos EUA, vai conseguir evitar uma recessão. A chance de ocorrer recessão é alta, mas ela pode ser relativamente suave. E também tende a ser prolongada, mas não tão violenta. Uma crise suave e prolongada é o cenário mais provável.
Mas vejo muitos cenários prováveis, e há um grau de incerteza muito acima do normal.

Surpreende o fato de hoje o grau de incerteza estar tão acima do normal? 
ARMINIO:
 É natural, num momento de expansão econômica, certa displicência de investidores e consumidores, dos agentes econômicos. Houve falha e exagero na hora de calcular a capacidade de pagamento. Em geral, quando se vive esses momentos de euforia, alguma decepção se segue. É como uma pessoa que tomou um pileque e depois vem a ressaca. É isso que acontece agora: alta volatilidade nos mercados e aumento da aversão ao risco. Hoje o medo está suplantando a ganância.

A China pode ser contraponto à crise internacional? 
ARMINIO
: A China cresceu 11% em 2007. Este ano começa a ter problemas com inflação, o que está levando o governo a frear a economia. Até nas exportações estão pondo o pé no freio.
O Japão, que crescia 1,5% ao ano, também corre risco de recessão.
Com a China dando sinais de desaquecimento, não sobra muito na economia mundial para carregar o piano.

Alguns economistas já falam até em bolha no mercado de ações chinês...
ARMINIO:
 Os preços das ações, na bolsa de Xangai, caíram cerca de 30% nos últimos meses, ainda assim continuam muito elevados. Mesmo com o extraordinário crescimento chinês, podemos falar sim numa bolha.

E qual é a situação do Brasil neste cenário mundial? 
ARMINIO
: O país está bem posicionado em termos relativos, mas não imune. Não acredito no descolamento. Se a economia mundial perseguir um cenário de recessão, seremos afetados, ainda que sem as vulnerabilidades do passado, que nos levaram a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Foi na sua gestão à frente do BC que o país adotou metas de inflação. A do governo atual, de 4,5%, está de bom tamanho? 
ARMINIO
: A longo prazo, 4,5% é alto. Não quero ser engenheiro de obras feitas, mas teria sido melhor aproveitar a carona da inflação e fixar 4%. A longo prazo, deveríamos atingir 3%.

Então é possível chegar no fim do ano com a taxa de juros Selic congelada em 11,25%? ARMINIO: O mercado anda meio nervoso e questionando a capacidade de o país crescer acima de 5%. Por isso, precifica alta de juros. Quanto disso é prêmio de risco ou expectativa real de aumento, é difícil dizer. É um pouco de cada, já que há sinal amarelo nessa área.

Qual seria a sua receita para o Brasil, caso ainda estivesse na presidência do BC? ARMINIO: Quando saí do banco, fiz quarentena antes de abrir, com meus sócios, a Gávea. Ainda hoje faço esforço enorme para parar de pensar no que deveria ser feito e me concentrar em entender o que vai ser feito, já que esse é o papel do gestor de investimentos. Nem de brincadeira falo o que penso. Afinal, o que acho que deveria ser feito não tem mais relevância.

O senhor disse que o país está bem em termos relativos. Mas quais são os desafios? ARMINIO: O país precisa melhorar seus fundamentos fiscais, principalmente frear gastos públicos de forma mais permanente. E atacar a questão da previdência. Numa outra direção, deve investir em educação. Melhoramos muito e atingimos a universalização, mas a qualidade deixa muito a desejar. Por fim, chamo atenção para limitações da nossa infra-estrutura.

O senhor defende a tese de que o país vive uma revolução capitalista. O que isso significa? ARMINIO: De meados da década de 90 para cá, o país passou a receber volumes de investimento direto, mas um percentual reduzido era oriundo do mercado de capitais.

Tradicionalmente, o empresariado não tinha acesso a capital, a não ser um grupo familiar forte. Hoje, está surgindo nova classe de empreendedores que consegue levantar capital e alavancar os negócios. Isso é sinal da chegada do capitalismo no Brasil.

Quais os setores que estão se beneficiando dessa revolução capitalista? 
ARMINIO:
 Os de maior destaque são o imobiliário e o financeiro, incluindo as operações da Bolsa de São Paulo e da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). E setores em que o Brasil tem vantagem comparativa, como agronegócio. Com juros mais baixos e regras legais mais bem amarradas, o setor imobiliário, que convive com defasagem histórica, tende deslanchar. Depois da chegada do capitalismo de risco, o país deve ser atingido por uma nova onda, a do mercado de crédito. Só que esse segmento ainda está engatinhando no Brasil.

Em quanto tempo essa onda de crédito chegará ao país? 
ARMINIO:
 Depende um pouco das circunstâncias. O país vem perseguindo uma trajetória de queda de juros. Para que isso se aproxime do seu potencial, os juros reais, que hoje estão entre 6% e 7%, deveriam cair para 4%, como no México.

Na área comercial, em relação às eleições nos EUA, é melhor para o Brasil democratas ou republicanos ganharem? 
ARMINIO:
 O Brasil poderia se beneficiar de uma política mais liberalizante nos EUA, mas as pressões políticas lá são muito fortes. A globalização tem impacto forte na classe média americana, e é difícil para os políticos irem contra isso. Não acredito em grandes mudanças. Talvez o Barack Obama tenha menos ligações com o protecionismo, mas é muito desconhecido.

Quanto aos negócios da Gávea Investimentos, ela só entra em empresas com participações minoritárias? 
ARMINIO:
 Não há nada contra se buscar o controle. É uma estratégia excelente. Só que temos nos concentrado em posições minoritárias, mas nem sempre com participações pequenas.

A Gávea fez um mal negócio com a BRA Transportes Aéreos.

O senhor se arrepende? 
ARMINIO
: Claro que me arrependo, mas pelo menos foi um investimento pequeno num fundo que vai muito bem. Melhor teria sido se não tivesse acontecido, mas desde que não ocorra com muita freqüência, vai se levando.

O senhor também se arrepende de ter participado do programa Casseta & Planeta, depois que saiu do BC? 
ARMINIO:
 De jeito nenhum. Foi uma experiência muito divertida e confio plenamente no Marcelo Madureira, um dos cassetas. Fui muito criticado, inclusive em casa. Depois todos entenderam e acharam graça.

A questão ambiental hoje é um tema recorrente nas mesas de negociação?
ARMINIO
: É um tema de terceira ou quinta importância. Só não confunda isso com minha opinião. Sou muito pessimista e tenho medo de o mundo já estar entrando num processo de difícil reversão. Acho tudo lamentável.

O senhor é carioca, e a sede da Gávea é no Rio. Há risco de a empresa ir para São Paulo? ARMINIO:
 Não. O Rio é excelente plataforma. Temos acesso ao elemento mais importante: pessoal qualificado. O Rio tem ótimas faculdades e continua produzindo profissionais de primeira linha. Nada contra São Paulo, mas sou mais o Rio.


  

Comandado por Arminio, Gávea Investimentos tem ex-ministro e estrela da equipe de Malan


Movimentar-se com discrição é a principal característica de Arminio Fraga, carioca de 50 anos que comandou, por seis anos, os fundos do bilionário George Soros, presidiu o Banco Central e, desde 2003, está à frente da Gávea Investimentos. Ele transita pela área acadêmica com a mesma desenvoltura com que circula pelo mercado financeiro, onde administra R$ 10 bilhões. Ao seu lado estão ex-colegas da época em que o economista, formado pela PUC-Rio e ex-professor da Universidade de Columbia, nos EUA, participou do governo Fernando Henrique Cardoso: Amaury Bier, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, comandado por Pedro Malan, e Edward Amadeo, ex-ministro do Trabalho.


Entre os seus sócios estão ainda Luiz Fraga, primo e cofundador da Gávea, e Marcelo Stallone. Está fazendo um ano que os sócios tremeram ao saber que Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, tinha indicado Arminio para o Banco Mundial (Bird). Acostumados com as turbulências do mercado, não chegaram a perder o sono.


A Gávea atua em três segmentos (fundo multimercado, gestão de patrimônio e investimento de longo prazo) e conta com um time de 90 pessoas, 75 delas no Rio e 15 em São Paulo.


McDonald’s, Multiterminais, Aliansce são algumas das empresas do portfólio da Gávea, que, recentemente, vendeu 12,5% do seu capital para o fundo de investimentos da Universidade de Harvard. A parceria não mudou em nada o dia-a-dia na Gávea, que vai mudar para novo endereço no Leblon. Arminio continuará sem sala exclusiva. Todos os sócios trabalham no mesmo ambiente e compartilham da mesma aversão aos holofotes.


Só que Arminio, logo que saiu do governo, abriu mão da sua maior característica para ceder aos apelos do amigo Marcelo Madureira, economista por formação e humorista por profissão.


Foi quando participou do humorístico “Casseta & Planeta” e teve seu dia de motorista de táxi. (Liana Melo e Gustavo Villela)

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