Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Míriam Leitão - O faz-de-conta


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
15/2/2008

Pode demorar meses o processo de mudança do Plano Geral de Outorgas na área da telefonia fixa, que vai permitir a compra da Brasil Telecom pela Oi. As empresas se comportam como se o negócio fosse iminente, e o ministro das Comunicações também. Mas o processo na Anatel tem que cumprir uma série de etapas antes de a proposta de mudança das regras ser apresentada ao governo.

O Brasil está vendo um jogo de faz-de-conta na área de telecomunicações. As empresas não falam publicamente do tema, mas já comunicaram o negócio ao governo que o defende argumentando que é preciso ter uma grande empresa verde-e-amarela no setor. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, marca até prazo para a mudança da lei. Disse que, em um mês, deve sair o decreto presidencial com o novo Plano Geral de Outorgas, conjunto de regras que orienta a exploração do negócio de telefonia fixa.

Quem fixa a política para o setor é o governo. Portanto, ele pode, sim, mudar o que quiser. Inclusive o PGO pode ser mudado por decreto do presidente. Só que o órgão regulador é que regula. A Anatel tem o poder regulador; ela é que tem que dizer qual é o melhor caminho, dentro dos critérios que tem que seguir, para que o objetivo do governo seja alcançado.

E qual é o objetivo do governo? Aparentemente é atender aos interesses da Oi e da Brasil Telecom, pela maneira atropelada com que está sendo conduzido este processo. O governo faz de conta que quer mudar as regras porque a mudança é necessária, quando todos sabem que está apenas atendendo a uma encomenda empresarial.

Um novo PGO pode ser necessário, dez anos depois; o problema é a forma como o governo toma suas decisões. Esta semana, a associação que representa as empresas da telefonia fixa, Abrafix, apresentou à Anatel o pedido de modificação do PGO. A Agência consultou o Ministério das Comunicações, e ele disse que concorda com a mudança. Tudo seguiu o ritual. Nas aparências.

O que, de fato, aconteceu foi que as empresas decidiram fazer o negócio que a lei, por enquanto, impede. Negociaram tudo abertamente, inclusive o financiamento no BNDES, e depois pediram que o governo adapte as regras ao negócio que querem fazer.

O setor de telecomunicações muda intensamente. Novas tecnologias e possibilidades surgem, tecnologias que se pensava que seriam revolucionárias se frustram, novos serviços são criados. Nenhum quadro regulatório deve ser congelado num mundo tão intensamente mutante quanto o das telecomunicações. Há bons especialistas contra e a favor do negócio. Não é ele em si que é o problema central. O problema é como o governo está fazendo as mudanças.

O que o Ministério das Comunicações determinou à Anatel é que ela mude apenas os artigos que se referem especificamente à divisão territorial do mercado. Isso, até agora, impede que uma empresa compre a outra ficando com mais de uma das áreas nas quais o país foi dividido. Hoje a Oi controla a telefonia fixa no Norte, no Nordeste e no Sudeste, excetuando-se São Paulo, e a Brasil Telecom controla a telefonia fixa no Sul e no Centro-Oeste. Uma não pode comprar a outra; a menos que o PGO mude.

Pode haver mil razões para mudar o PGO, mas é preciso que se observem dois critérios antes de qualquer mudança: se a alteração vai produzir uma concentração perigosa e se ela resulta em benefício para a sociedade. É isso que está escrito na Lei Geral de Telecomunicações.

Portanto, a Anatel terá que se guiar por esses dois critérios para cumprir seu ritual, que pode ser bem mais longo que o mês que o ministro prometeu em declaração no fim de janeiro. O órgão regulador precisa fazer estudos técnicos, precisa de um parecer jurídico da Procuradoria da Anatel, tem que se escolher um relator e ele tem que fazer seu relatório, tem que ir ao Conselho da Anatel e tem que haver consultas públicas. Se o governo quiser continuar invertendo a ordem natural das coisas e decidir compactar esse ritual, terá que, mais uma vez, atropelar um órgão regulador.

Num programa que fiz ontem na Globonews, ouvi dois especialistas sobre o tema. O ex-ministro das Comunicações Juarez Quadros, que é contra a mudança no PGO, e o ex-presidente da Anatel Renato Guerreiro, que é a favor. Os dois têm bons argumentos. Um teme a concentração, o outro lembra que, nos Estados Unidos, onde havia sete empresas, hoje existem três. Quadros comenta que, em 2002, houve também um pedido casuístico de mudança do Plano, e o governo recusou; Guerreiro diz que a América Latina está controlada por uma empresa espanhola, a Telefônica, e uma mexicana, a Telmex, e defende a criação de uma grande empresa nacional.

Quadros e Guerreiro discordaram em vários pontos da conjuntura, mas ambos acham que o governo comete um erro grave quando não faz um planejamento estratégico do setor de telecomunicações, para saber o que deve ser mudado para que haja mais desenvolvimento no setor.

O governo não quer fazer uma revisão, dez anos depois da privatização, sobre os rumos da telecomunicação para atender aos interesses dos usuários e do crescimento do país. Decidiu mudar apenas dois artigos do Plano Geral de Outorgas para permitir um negócio privado e financiar tudo com empréstimo subsidiado.

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