Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Míriam Leitão - Há vagas


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
14/2/2008

No ano passado, a Sadia contratou 4.000 funcionários. Este ano, pretende contratar outros 4.000. Na Fiat, foram 3.891 novos empregados, e tem planos de contratar mais 5.500 até 2010. A Peugeot-Citroën contratou, em 2007, 1.000 novos trabalhadores e este ano vai contratar menos. Há situações diferentes, dependendo da empresa, mas este é, de fato, um bom momento do mercado de trabalho.

E lá fora o tempo anda feio. A crise externa tem pequenos alívios dependendo de eventos como o plano salva-vidas de um grupo de bancos credores encrencados no mercado imobiliário americano, divulgado anteontem, ou o plano de George Bush, assinado ontem. São todos insuficientes para enfrentar essa crise. A grande questão com a qual o Brasil se defronta é se o problema externo vai estragar este raro bom momento em que o país vive no mercado de trabalho.

Os indicadores que saíram ontem foram todos bons. O IBGE divulgou o emprego da indústria em dezembro. Houve o maior crescimento em seis anos. A Fundação Seade e o Dieese divulgaram a menor taxa de desemprego desde 1998, quando iniciou a série. A CNI divulgou recentemente o balanço de 2007, mostrando que o emprego aumentou 3,9%, e a massa de salários cresceu 5%.

- O que mostra que a maior parte do aumento dos salários veio das novas pessoas incluídas no mercado de trabalho - afirma o economista Paulo Mol, da CNI.

Olhar todos esses dados é ver pelo retrovisor. O que interessa agora é saber se o ritmo continua este ano. A maioria dos entrevistados acha que sim, o país continuará criando emprego; a indústria, um setor em que o emprego encolhera, vai continuar ampliando os empregos e algumas começam a enfrentar escassez de mão-de-obra. Mas não é o caso da Sadia, por exemplo.

- No ano passado contratamos a maioria para a área operacional, aumentamos os turnos. Este ano, os novos funcionários vão sobretudo para as ampliações. Temos grandes investimentos em Mato Grosso e no Paraná. Tivemos alguma dificuldade em contratar em poucas áreas, mas, para a operacional, não foi difícil - comenta Eduardo Noronha, diretor de Recursos Humanos da Sadia.

Alimentação é o setor que mais emprega na indústria. Em termos do salário médio, ele é mais baixo. De qualquer forma, tem tido forte criação de emprego.

- No ano passado, a contratação já começou forte por causa da exportação. Ao longo de 2007, foi se acelerando com o mercado interno e, no último trimestre, houve um aumento sensível. Não só na indústria, mas no que está em torno: alimentação fora de casa, supermercados, na agricultura. Este ano, também, só a safra recorde deve aumentar em uns 5% o emprego. A indústria de alimentos emprega 1,3 milhão de pessoas; 5% sobre isso é muito - diz Amilcar Lacerda, do Departamento Econômico da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).

Mas houve aumento de consumo também em outras áreas, como a indústria automobilística. Ela não tem o mesmo ímpeto este ano; por enquanto. A Volkswagen contratou 2.500 pessoas em 2007, mas, para 2008, ainda não tem planos. A Peugeot-Citroën tem previsões mais modestas, e a Fiat assinou um plano com o governo de Minas de contratação de 5.500 até 2010. No setor, sabe-se que há grande carência de engenheiros qualificados.

Se o Brasil continuar crescendo, se a crise não provocar uma forte desaceleração aqui, a partir do ano que vem, provavelmente haverá falta de mão-de- obra qualificada em mais setores. O pior é que, ao mesmo tempo, o país continuará tendo muitos desempregados. Afinal, mesmo estando num dos melhores momentos recentes do mercado de trabalho, a taxa de desemprego média do ano passado foi de 9%.

Mário Fagundes, consultor da Catho, conta que nem sempre é possível juntar as pontas neste mercado:

- Há setores em que há mais vagas que candidatos. Em outros, ainda que haja mais candidatos que vagas, eles não estão qualificados o suficiente para ocupar esses postos. O que as empresas estão fazendo é formando pessoas. Isso está acontecendo muito, por exemplo, em TI (tecnologia da informação).

Mário se baseia num número impressionante: acredita que, até 2010, o setor de TI pode precisar de 100.000 novos profissionais.

- Não haverá pessoal suficiente. A solução tem sido a própria empresa investir na educação para formar pessoal de TI. Esse setor é problema no mundo inteiro.

Paulo Mol, da CNI, acha que essa situação pode se agravar e se generalizar:

- O Brasil se preocupa tanto com o gargalo físico ao crescimento, mas não pensa que se formou um gargalo humano: falta de trabalhador qualificado.

Mário Fagundes diz que está faltando gente qualificada na educação. É que a indústria também começou a competir pelos bem formados em química, física. No caso da matemática, é o setor financeiro que compete muito com a educação.

Um apagão de pessoal com tanto desempregado será um absurdo. O país precisa se preparar para o bom cenário, mesmo com o risco de uma crise externa tão próxima. Afinal, se ela vier, não vai durar para sempre.

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