Choveu. Os reservatórios do Sudeste saíram da linha de risco. Choveu onde precisava na região. Há lições a se tirar do episódio. O Brasil não pode ter um susto por ano, torcendo por uma variável que não está sob nosso controle: a água que cai do céu. O mundo está levando a sério a energia solar, que cresce a 48% ao ano, e a dos ventos, que cresceu 30% no ano passado.
Esta seria a solução natural no Brasil.
O preço da energia no mercado spot, que representa uma parte pequena do mercado, mas que sinaliza o grau de incerteza sobre a oferta futura, caiu à metade nos últimos dias.
E r a d e R$ 3 9 o megawatt/ hora em agosto e, em dezembro, chegou a R$ 204. Em janeiro, a média foi de R$ 502. E agora voltou para R$ 256.
Os maiores perigos este ano foram afastados, no entanto o episódio mostrou que o governo prefere correr todos os riscos a admitir a necessidade de uma racionalização do consumo; que continua apostando todas as fichas na hidroeletricidade; que não pensa em ter um programa sério de diversificação de fontes de energia alternativa; que, por razões políticas, não analisa o pior cenário nem mesmo para evitá-lo; que as indústrias que converteram sua energia para gás estavam ameaçadas de ficar sem energia; que não se importa de fazer um desavergonhado loteamento dos cargos estratégicos do setor de energia, mesmo no meio de uma situação perigosa.
Quando o presidente da Aneel, Jerson Kelman, admitiu que havia risco de racionamento este ano, diante do nível crítico dos reservatórios no Sudeste e no Nordeste, a reação do governo foi ficar ofendido.
Um despropósito, porque o regulador tem mesmo que alertar para os riscos, é o papel dele.
A resposta do governo foi nomear uma pessoa sem qualquer qualificação técnica para o cargo de ministro de Minas e Energia.
Na posse, Lula acusou quem falava do assunto.
“Os pessimistas vendem diariamente a idéia de que vai faltar energia. Há duas hipóteses: ou não querem que as coisas aconteçam neste país ou querem contribuir para o aumento do preço da energia.” O assunto virou tabu. A agência reguladora não pode falar do tema, técnicos do governo têm que produzir números que confirmem a tese de infalibilidade do modelo. O Brasil passou a trabalhar com uma única hipótese: tudo vai dar certo e tudo o que os sábios elétricos fazem está absolutamente certo. E por que virou tabu? Como o apagão do governo Fernando Henrique foi usado politicamente, o presidente não aceita que se fale da hipótese de que algo parecido aconteça no governo dele, mesmo que, para isso, seja preciso torcer fatos e estatísticas.
O fato concreto é que a oferta de energia estava superestimada.
O planejamento foi feito contando-se com uma energia que desapareceu no meio do caminho: o gás que iria para as termelétricas foi reduzido a 40% do que era necessário; a energia que em 2005 estava prevista para vir da Argentina não virá mais; usinas não foram c o n c l u í d a s .
Em 2009, devem entrar 1.500 MW de energia da biomassa das usinas de canadeaçúcar de São Paulo. Para isso, está sendo feito um trabalho de interligação dos produtores e distribuidores articulado pela Secretaria de Energia de São Paulo e pela Secretaria de Meio Ambiente. O uso da energia da biomassa tem, para São Paulo, a vantagem de acabar mais rapidamente com a queima da canadeaçúcar, que emite uma poluição particulada muito nociva à saúde. Em Mato Grosso do Sul e Goiás, o projeto vai demorar um pouco mais, porque o investimento necessário na rede básica é bem maior. No dia 18, haverá uma audiência pública para a criação de uma nova entidade do setor elétrico, uma coletora coletiva. A idéia é que os custos sejam pagos pelos produtores organizados numa espécie de clube.
Outras fontes começam a entrar, como o gás que vem do Espírito Santo. O tempo ajuda, a chuva socorre, mas o Brasil não pode ficar, assim, da mão para a boca. O sistema não foi projetado para que, a cada ano, o país fique esperando que a solução caia do céu. Se está desse jeito, é porque, a cada ano, está sendo usado um volume maior de água dos reservatórios do que seria sensato.
No auge do medo de que fosse necessário um racionamento no Brasil, a resposta do governo foi oferecer a alternativa de aumentar o uso das fontes poluidoras, óleo combustível, óleo diesel e carvão. O mundo não é assim. O mundo está trabalhando cada vez mais com energia renovável, limpa, alternativa.
Aquilo que aqui é desprezado está crescendo em outros países.
Energia solar no ensolarado Brasil é considerada uma fonte exótica. Mas, no mundo, ela está crescendo a uma taxa de 48% ao ano desde 2002. Nos Estados Unidos, dobrou em dois anos. Não é energia solar para esquentar água do banho, é usina geradora de energia fotovoltaica. Hoje no mundo já estão instalados 12.400 MW e está crescendo a 3.800 MW por ano. Ou seja, tem quase uma Itaipu já instalada, e o aumento anual é mais do que uma usina de Madeira.
De energia eólica, só na Alemanha, já são 22.300 MW instalados. Na China, o parque de eólica triplicou e, nos EUA, dobrou. Internacionalmente, cresce 30% ao ano. Ainda são pequenas perto das outras fontes, mas são as que mais crescem.
No Brasil, o governo acha que ninguém pode falar a sério sobre elas. Enquanto isso, o mundo está falando muito a sério sobre essas fontes limpas, renováveis, alternativas.
Entrevista:O Estado inteligente
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