De novo, o presidente Lula fez o que sempre faz quando instado a explicar o inexplicável: chamou a Dilma. De novo, a superministra não negou fogo. Na Quarta-Feira de Cinzas, Dilma Rousseff concedeu uma entrevista para tranqüilizar milhões de brasileiros assombrados com a passagem do bloco do cartão corporativo, formado por milhares de foliões federais e patrocinado pelo governo.
Previsivelmente, Dilma apareceu com a fantasia que costuma usar quando a coisa fica feia: professora que nunca deu nota 10 a ninguém. A mesma expressão severa combinando com os mesmos óculos de primeira da classe. Os mesmos vincos patrióticos de quem atravessa as madrugadas pensando no Brasil. O mesmo figurino de quem treina para virar modelo de alguma estilista luterana.
Com a mesma voz que não admite apartes, Dilma comunicou à nação que não há nada de irregular, exagerado, indecoroso, obsceno, muito menos ilegal no desfile do bloco. Alguns integrantes da comissão de frente andaram atravessando o samba, concedeu. Mas a comunidade do Planalto não vira motivos para tamanho carnaval.
Mesmo assim, revelou Dilma, o governo resolvera tomar meia dúzia de medidas cautelares. Para impedir a expansão da gastança (a conta anual subiu de R$ 14,1 milhões em 2004 para R$ 75,6 milhões em 2007), serão confiscados os cartões corporativos dos ministros. Cerca de 7.500 continuarão à solta.
Em liberdade condicional, ressalvou a ministra. Os saques em caixas eletrônicos estão proibidos. E os cartões só poderão ser usados - como ficou combinado desde sempre - para "despesas emergenciais". Ficam fora da farra, portanto, tapiocas de botequim, churrascos com amigos ou carros alugados em dia santo.
Nenhuma das restrições vale para a Primeira Família e seus agregados. Lula, Marisa Letícia, a filharada, os "ecônomos" e o pessoal da segurança continuam livres para superar a notável marca alcançada em 2007: R$ 3,6 milhões. (O trio de "ecônomos" da adega e da despensa fez bonito: gastou R$ 205 mil).
Como as despesas palacianas foram proibidas de entrar no Portal da Transparência, os cartões mais ágeis do Brasil Central poderão atirar sem vigilância. "Não vamos colocar em risco a segurança do presidente", avisou Dilma, com o aval dos dois ministros que a escoltavam na entrevista. Franklin Martins invocou misteriosas "razões de Estado" para justificar a censura. O general Jorge Félix lembrou que descuidos com a segurança favorecem "ações hostis ao presidente". Quais ações? Quem está por trás delas?
Algum grupo terrorista planeja o seqüestro de Lurian? Aborrecido com a sovinice da Petrobras, Evo Morales ordenou à Marinha boliviana que invada o Lago Norte? Não é por isso que o ministro Nelson Jobim anda atrás de um submarino nuclear? Não foi para montar bunkers subterrâneos nos palácios que se comprou com cartões corporativos tanto material de construção, tanto vinho, tanta comida, até munição?
Tais especulações são tão verossímeis quanto o falatório de Dilma. Os companheiros não estão preocupados com a segurança física do chefe. Só com a segurança eleitoral de Lula.