Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 09, 2008

MERVAL PEREIRA -Tanto faz

NOVA YORK.

O velho consenso a favor do livre comércio que existiu nos Estados Unidos, sobretudo a partir dos anos 20 do século passado, na presidência de Woodrow Wilson, está hoje bastante comprometido. Quais são as possibilidades de ser retomada uma agenda de livre comércio nos Estados Unidos diante da crise econômica que já se instalou e pode vir a ser uma recessão? Quem seria melhor para o Brasil e para a América Latina, um presidente democrata ou um republicano? A “fama” de os republicanos serem menos protecionistas é historicamente justificada, mas o próprio chanceler Celso Amorim, envolvido mais uma vez na tentativa de retomar as negociações da chamada rodada de Doha, alertou que no momento não há diferença entre republicanos e democratas quando se trata de livre comércio.

O governo Bush está pressionando o Congresso para aprovar acordos comerciais bilaterais já negociados, mas encontra forte resistência da maioria democrata. O fato é que nenhum político fica insensível quando o seu eleitorado é afetado por uma crise econômica, e há uma grande onda protecionista neste ano eleitoral, que tem influenciado até mesmo a retórica de alguns candidatos republicanos.

Mike Huckabee, por exemplo, no papel de defensor dos valores mais reacionários dos republicanos, tem assumido um discurso mais próximo dos democratas em termos de livre comércio, em defesa dos empregos dos americanos que estão desaparecendo na crise.

Mas o provável candidato republicano John McCain até o momento tem ficado firme com a linha tradicional em favor de livre comércio.

Do lado democrata, os senadores Hillary Clinton, Barack Obama e John Edwards, todos votaram contra as propostas de renovação de fast track, a permissão para o governo negociar acordos de comércio sem a aprovação prévia do Congresso, que acabou em junho passado e não foi renovada, e contra o acordo com a América Central. Em suma, qualquer proposta de liberalização comercial teve os democratas pela frente.

Hillary Clinton, que teve uma posição sempre bastante crítica em relação ao programa de etanol americano, à base do milho e muito dispendioso, e sempre elogiou até publicamente o programa brasileiro, a partir do momento que se tornou candidata presidencial, reduziu os elogios.

Ela proferiu no Senado nada menos que 17 votos diretos ou indiretos contra o programa do etanol americano, até o ano de 2006. Mas em Ioha voltou a falar bem dele, sob a alegação de que atendia à segurança nacional. Fugindo à norma democrata, o ex-presidente Bill Clinton deu todo apoio político ao tratado de livre comércio negociado por seu antecessor, Bush pai, com o México. Mas só ganhou, depois de muita pressão, os votos da minoria dos democratas no Congresso, sendo que mais de 75 % dos republicanos votaram a favor.

Mas com isso criou um ressentimento dentro do partido democrata tão grande que, em seguida, perdeu a autorização do fast track para novas negociações comerciais e esqueceu o tema no restante de seu mandato, inclusive não cumprindo promessas feitas ao Chile, cujo acordo comercial bilateral só foi aprovado agora no governo Bush. Este ano, a senadora Hillary ficou em posição difícil para apoiar o tratado com México, aprovado na gestão de seu marido.

A explicação para essa postura democrata está no apoio de sindicatos e, em menor medida, dos ativistas de esquerda, que consideram o livre comércio um “complô capitalista”, na definição de um consultor de Washington.

O senador John McCain, sendo representante do Arizona, um estado de fronteira com o México, tem laços históricos com América Latina e uma posição bastante liberal em relação aos imigrantes.

Neste momento da campanha, no entanto, pressionado pelos setores mais ortodoxos de seu partido, ele tenta esclarecer que antes de aprovar a legalização de milhões de imigrantes, como pretende um projeto seu, dará condições de segurança às fronteiras americanas.

O senador Barack Obama, com pouco tempo no Senado, não tem um histórico possível de ser checado, mas o padrão de seus votos na Casa foi considerado em Washington como o mais liberal — o que nos Estados Unidos pode ser considerado “de esquerda” — de todos os membros do Senado no ano passado.

Embora a esquerda latino americana sempre tenha tido uma relação mais próxima ao Partido Democrata, o governo Lula prefere um futuro presidente republicano, segundo o ex-todo poderoso José Dirceu na famosa reportagem da revista “Piauí”. Porque seria “menos protecionista” e menos “próximo dos tucanos”.

A relação dos tucanos com o Partido Democrata foi fortalecida pela amizade que nasceu entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente Bill Clinton.

Antes de ser primeira dama, Hillary era muito envolvida em políticas sociais no Children Defense Funds, e conhece bem as políticas sociais no Brasil.

Já na época de Fernando Henrique, ela acompanhou o trabalho do Comunidade Solidária com Ruth Cardoso e dizia que o Brasil era muito inovador em políticas sociais, tendo repetido agora na campanha.

Mas uma relação, se não de amizade, também especial, nasceu entre Lula e Bush, que tem uma convivência mais amistosa com Lula do do que a que teve com Fernando Henrique, que recentemente declarou que sentiu “asco físico” por Bush.

Provavelmente Bush pressentia em Fernando Henrique uma rejeição intelectual que não acontece com Lula, cujo temperamento cordial é mais parecido com o dele.

Seja por isso, ou por puro pragmatismo, Lula torceu pela reeleição de Bush, e agora gostaria de ver um republicano na Casa Branca de novo. Ou então Obama, em cuja trajetória de vida vê semelhanças com a sua, e que é um democrata não ligado aos “tucanos”, como os Clinton.

Mas com qualquer um, democrata ou republicano, não vai haver abertura comercial tão cedo.

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