Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

Merval Pereira - Sinais trocados



O Globo
1/2/2008

Os sinais exteriores de refinamento e frivolidade que têm sido responsáveis por boa parte da queda de popularidade do presidente francês Nicolas Sarkozy ajudaram a arrecadar dinheiro para a fundação France Libertés de Danielle Mitterrand, viúva de François Mitterrand, único presidente francês socialista, que passou 14 anos no poder. Um par de pantufas de veludo negro da sapataria inglesa Church"s foi arrematado por 1 mil. O famoso chapéu de feltro negro saiu por 7.800, comprado pelo próprio Partido Socialista. Ternos de grifes famosas, alguns portando até mesmo a insígnia da grande-cruz da Legião de Honra, saíram até por 500. Num simbolismo que seus admiradores gostariam de ter evitado, o manto de advogado, com a gola forrada de arminho, da grife Cerruti, foi arrematada por 8 mil por Karim Achoui, conhecido como defensor de grandes bandidos, vítima recentemente de uma tentativa de assassinato.

O sucesso das vendas da tradicional casa de leilões Tajan, que arrecadou 150 mil no total, além do prestígio de Mitterrand, é também reflexo do aumento de popularidade dos socialistas.

As últimas pesquisas de opinião mostram uma queda acentuada da popularidade de Sarkozy, ao mesmo tempo em que líderes socialistas como Ségolène Royal e Bertrand Delanoë sobem de cotação no eleitorado, a cinco semanas das eleições municipais.

O presidente francês teve mais uma queda de popularidade, perdendo oito pontos percentuais. Agora, já são 55% de descontentes com sua administração, contra 41% que o apóiam.

Sarkozy, que na campanha presidencial dizia que queria ser conhecido como "o presidente do poder de compra", tem nesse ponto seu pé de argila, embora seu polêmico caso com a cantora Carla Bruni também apareça nas pesquisas como um embaraço para seus correligionários.

A percepção generalizada é de que Sarkozy está exibindo sua felicidade pelo mundo ao lado da bela namorada, enquanto o dia-a-dia dos seus eleitores não melhorou e suas promessas eleitorais não se concretizam.

Nada menos que 87% dos franceses consideram que a ação do governo contra a alta de preços não é eficaz, o que tem feito o poder de compra da população cair. Mesmo com a redução do desemprego, cerca de 70% dos franceses acham que o governo não atua bem nessa área.

Para recuperar seu prestígio, e vencer as eleições municipais, Sarkozy decidiu diminuir as viagens internacionais - uma das próximas será à Guiana, onde encontrará o presidente Lula - para se dedicar à campanha no interior.

Uma outra pesquisa publicada no fim de semana indica como os políticos de maior credibilidade Ségolène Royal, a candidata socialista derrotada nove meses atrás por Sarkozy; François Bayrou, também candidato a presidente que se recusou a entrar na aliança do governo montada por Sarkozy e criou o novo Movimento Democrático; o socialista Bertrand Delanoë; e o ex-esquerdista radical Olivier Besancenot.

Embora não tenha comparecido ao Fórum Econômico Mundial, o presidente Nicolas Sarkozy foi representado pelo primeiro-ministro François Fillon, o primeiro chefe de governo francês a comparecer à reunião de Davos, numa demonstração de que a política de abertura econômica para o mundo é um compromisso que está sendo seguido.

Tanto ele quanto o ministro das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, foram enfáticos na defesa de políticas de abertura comercial e de reorganização dos organismos internacionais como o Conselho de Segurança da ONU, FMI, Banco Mundial, para que os países emergentes como Brasil, Índia e China tenham maior representação, assim como a África.

Em várias ocasiões, o ministro Bernard Kouchner também assumiu posições bastante avançadas em favor do livre comércio internacional, chegando a afirmar que o maior risco que o mundo corre não são os atentados terroristas nem as guerras, mas a pobreza.

Por sua vez, o primeiro-ministro François Fillon garantiu que a França, que presidirá a União Européia a partir de julho, fará tudo para que a Europa saia do impasse em que se encontra depois que a Constituição foi rejeitada pela Holanda em 2005.

Ele garantiu que a França não teme a globalização, que a Europa não pode ignorar as grandes mudanças que estão acontecendo no mundo e defende uma competição mais justa nos mercados internacionais de produtos e serviços.

Fillon reafirmou que o governo Sarkozy vai ampliar a competição em todos os mercados para, através dela, fazer cair os preços, política que ainda não mostrou seus efeitos para a grande maioria da população, como revelam as pesquisas de opinião.

As posições firmes e sóbrias de Fillon, no entanto, têm lhe rendido uma avaliação popular melhor do que a de Sarkozy, fato único na política francesa.

Sarkozy agora procurará voltar às origens de sua candidatura, tentando mostrar-se novamente o líder decidido e decisivo, que está à frente das discussões, sabe ouvir e sabe sobretudo ser enérgico quando necessário.

Entre as palavras e os atos, a diferença, no entanto, ainda é contra a imagem do presidente Nicolas Sarkozy, que ficou marcado pelas viagens luxuosas em aviões e iates de amigos milionários e pelas fotografias de seu namoro hollywoodiano com a cantora Carla Bruni.

Um eleitor resumiu bem a sensação geral de seus seguidores em um e-mail para a sede da UMP: "Sarkozy pode fazer o que quiser com a Carla Bruni, mas nós não queremos ver isso nos jornais", dizia a mensagem da internet, vazada para os jornais franceses certamente por um correligionário partidário insatisfeito com as estripulias públicas de Sarkozy.

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