Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Merval Pereira - A guerra da economia



O Globo
13/2/2008

Acossado pela persistência do pastor evangélico Mike Huckabee, que acredita em milagres, o provável candidato republicano à sucessão presidencial, John McCain, tenta unir o partido com o único tema capaz de não colocá-lo sob suspeição de ser um autêntico conservador: a guerra do Iraque e o combate ao terrorismo. Nessa questão, McCain não titubeia: já disse que os Estados Unidos têm que ficar no Iraque "nos próximos cem anos", e cada vez que o candidato democrata Barack Obama lhe cobra essa afirmação, mais ele gosta, já que pode exercitar seu conservadorismo sem perder eleitores independentes, que já conhecem sua posição, e ganha argumentos para convencer as alas mais ortodoxas do partido de que ele, afinal, não é uma escolha tão difícil assim.

O problema dos republicanos, porém, é que o único tema que os une não deve ser o tema preponderante na campanha presidencial à medida que o tempo passe. A crise financeira já está cobrando sua conta no dia-a-dia do cidadão americano, que vai vendo seu poder de compra se erodir na proporção em que a crise se alastra.

E nesse ponto, a posição democrata é muito mais forte, já que será aparentemente inviável aos republicanos convencer o eleitorado americano de que o terrorismo é uma ameaça maior nos dias de hoje do que a crise econômica. A não ser que um atentado terrorista de grandes proporções, nos Estados Unidos ou no exterior, traga novamente aos corações e mentes americanas a sensação de insegurança que hoje quem provoca é a economia.

Justamente como na eleição de 1992, quando Bill Clinton derrotou Bush pai com base na tese do marqueteiro James Carville: "É a economia, estúpido". Carville continua na ativa, assim como Bill Clinton, tentando ajudar sua mulher, a senadora Hillary Clinton, a superar a onda que dá a seu adversário Barack Obama uma percepção de favorito que ainda não é de fato.

Hillary é muito mais firme em questões econômicas do que Obama, por exemplo, e tem como vender a época de bonança da economia americana durante os oito anos do governo de seu marido, que herdou uma economia endividada, equilibrou o orçamento e criou um ambiente propício ao crescimento econômico.

O apoio majoritário que Hillary recebe de eleitores hispânicos e de maiores de 40 anos é atribuído pelos analistas à memória desse tempo de bonança. Uma prova objetiva de que Hillary sabe o que diz quando fala da crise econômica: a decisão de grandes financiadoras de suspender a execução das hipotecas americanas por 30 dias é parte de uma de suas propostas, que na verdade queria suspendê-las por 90 dias, até que se pudesse ter uma noção exata das condições de pagamento dos credores.

Com o pânico que se instalou, todos os financiamentos tiveram seus juros aumentados preventivamente, causando prejuízo mesmo àqueles que poderiam continuar pagando nas condições acertadas antes da crise.

Para se ter uma idéia de como o poder de consumo da população americana, ou a sua incapacidade, afeta o dia-a-dia dos cidadãos muito mais do que a renda propriamente auferida, basta ler um estudo do vice-presidente sênior e economista-chefe do Banco Central de Dallas W. Michael Cox com Richard Alm, seu economista sênior, publicado domingo no "The New York Times".

Eles defendem a tese de que mais importante do que a renda domiciliar é a capacidade de consumo, mesmo que seja irrefutável que os 20% mais ricos passaram a ter 49,6% dos ganhos totais em 2006, quando essa proporção já foi de 43,6% em 1975.

No mesmo período, as famílias do quinto mais baixo reduziram sua participação na renda nacional de 4,3% para 3,3%, numa demonstração de que a distribuição de renda piorou na sociedade americana nos últimos 30 anos.

No entanto, dizem os economistas, esses dados não refletem o nível de vida das diversas classes, cujo poder de consumo faz com que a diferença entre ricos e pobres na sociedade americana seja menor do que eles fazem supor.

Eles mostram que o quinto mais rico dos americanos tinha em média uma renda de US$149.963 por ano em 2006, e gastava US$69.863 em comida, roupa, contas de luz, gás, telefone, transporte, saúde e outras categorias de consumo. O resto da renda vai para o pagamento de impostos e para poupança.

O quinto mais baixo da renda americana ganha apenas US$9.974 por ano, mas consumia praticamente o dobro, US$18.153, graças ao acesso a várias fontes de gastos que estão isentas de impostos, como vendas de propriedades, como casas e carros; resgate de apólices de seguro e tipos de empréstimos bancários. Com isso, a diferença de consumo entre os mais ricos e os mais pobres fica em 4 para 1, enquanto a diferença de rendimentos é de 15 para 1.

Essa redução de diferença no consumo acontece em todas as classes sociais. Os 20% que compõem os salários médios da população têm rendimentos quatro vezes maiores que o quinto inferior, mas quando se trata de consumo, a diferença cai de 2 para 1.

Além do sistema de financiamentos que permite o consumo das classes mais desfavorecidas, os economistas chamam a atenção para os avanços tecnológicos que possibilitaram que itens de consumo como geladeiras, fogões, TV colorida, celulares, microondas, máquinas de lavar roupas estejam em mais de 80% das casas.

Mas, do ponto de vista da política americana, esses dados mostram como uma recessão econômica afetará o poder de compra da sociedade americana e se transformará no ponto central do debate político à medida que a crise avance e a eleição de novembro se aproxime.

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