Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Merval Pereira - Divisão perigosa



O Globo
7/2/2008

Não importa qual critério se use para medir o número de delegados que cada um dos candidatos democratas conseguiu até agora na corrida pela indicação do partido, e nem mesmo quem está na frente de quem a essa altura da maratona. O fato político relevante da Superterça na seara democrata é que tanto Hillary Clinton como Barack Obama conseguiram superar problemas de imagem importantes para os dois. Hillary, vencendo com boa margem nos maiores estados, como Califórnia e Nova York, mostrou a força própria de sua candidatura, voltou a ser a favorita e já não depende tanto dos superdelegados para superar Obama.

Para se ter uma idéia de como ela avançou, antes da Superterça ela superava Obama apenas com os votos dos superdelegados, e perdia para ele nos delegados eleitos. Agora, segundo algumas pesquisas, ela vence Obama mesmo entre os delegados eleitos. Este, por sua vez, parece ter o tempo a seu favor. Reduziu bastante a diferença para Hillary nos estados em que perdeu e, no resto do país, ganhou em estados de áreas muito diversas. E, segundo outras pesquisas, vence Hillary inclusive entre os superdelegados.

Um exemplo perfeito para definir como está a situação no momento, destaca Tom Trebat, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Columbia, em Nova York, é o Missouri, que tem fama de ser um estado-síntese do país, localizado no meio, entre leste e oeste, entre o norte e o sul, representa cidade e campo, minorias e brancos, tem um pouco de tudo.

Semelhante ao que acontece no Brasil com Minas Gerais, que um dos fundadores do Ibope, o panamenho José Perigault, descobriu um dia que sintetizava as diversas regiões do país: tem a região pobre do Vale do Jequitinhonha, que está incluída na Sudene; tem o desenvolvimento das grandes capitais; tem grandes indústrias e também a zona rural; é o segundo maior colégio eleitoral do país e a terceira economia, rivalizando com o Rio de Janeiro.

Pois no Missouri, enquanto faltavam os votos de St. Louis e Tennessee, as duas cidades mais importantes do estado, onde se concentra o maior número de negros e também dos mais instruídos, vencia Hillary Clinton com boa margem. Quando os votos dessas cidades foram apurados, Obama reverteu a vantagem e conseguiu dividir o estado, vencendo por 49% contra 48,5%.

A divisão dos democratas de Missouri reflete a divisão nacional, e uma surpresa é o número de eleitores brancos, de nível de renda e de educação elevados, votando em Obama, inclusive os eleitores de John Edwards, que desistiu da disputa mas não deu apoio a nenhum dos dois, talvez pensando em ser o vice da chapa oficial outra vez, como aconteceu quando John Kerry foi candidato.

As três próximas prévias, especialmente as do Estado de Washington e de Washington DC, darão vantagem para Obama, o que pode fortalecer ainda mais o momentum favorável a ele, que aqui se revela principalmente pela capacidade de atrair recursos para a campanha. Em janeiro, com a performance nas primeiras primárias, Obama levantou nada menos que US$32 milhões, contra apenas US$13 milhões de Hillary.

Como o tempo está a favor dele, que vem melhorando sua receptividade à medida que a campanha avança, já não é possível dizer que perderá nos estados que podem decidir a disputa, entre abril e maio: Texas, que é o segundo maior colégio eleitoral, Ohio e Pensilvânia, onde no momento a senadora Hillary Clinton tem a vantagem.

O problema vai ser unir as facções do partido, que estão ficando cada vez mais separadas. Nunca um ditado americano serviu tanto para definir uma situação como agora entre os democratas: "Não é uma questão de vida ou morte. É mais importante do que isso". A oratória de Barack Obama é bem superior à da média dos políticos, é uma linguagem política renovada e de forte apelo emocional, o que faz com que ele possa galvanizar o eleitorado a cada comício.

Já a de Hillary Clinton, ao contrário, esconde suas deficiências atrás de uma posição mais técnica. Por isso, seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, está cada vez mais presente na campanha, às vezes fazendo comícios sem a presença da candidata.

Além de ser um ex-presidente geralmente bem apreciado - recente pesquisa mostrou que essa campanha presidencial fez aumentar o número de eleitores que gostariam de vê-lo novamente na Casa Branca, o que é impedido pela Constituição -, Clinton também tem uma retórica política superior.

A presença marcante do marido na campanha faz com que Hillary tenha que enfrentar muitas vezes a mesma questão: quem vai mandar num eventual governo dela? Esta semana, ela aproveitou o programa de David Letterman para deixar clara sua posição. Usando uma expressão tipicamente americana, ela garantiu que quem governará será ela.

A expressão fica melhor em inglês, mas o sentido é esse. Ela garantiu: "Na minha Casa Branca, quem vai usar o terno (paint suit) na família serei eu", arrancando aplausos da platéia, especialmente das mulheres, que têm sido um grupo importante de apoio.

Em resumo, Barack Obama hoje tem uma chance boa, coisa que não era previsível antes da primeira primária em Iowa, enquanto Hillary continua com boas chances, mas menores do que quando começou a disputa.

E quem pode se aproveitar da disputa cada vez mais acirrada entre os dois é o senador John McCain, que saiu da Superterça mais forte como o provável candidato republicano.

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