PARIS. Quando Michael Klein, co-executivo chefe para Mercados e Bancos do grupo americano Citi, advertiu em um debate no Fórum Econômico Mundial que, dos países que estão atuando através de fundos soberanos, a maioria não é democrática, refletia um espanto crescente do mundo financeiro de que até mesmo ditaduras comunistas estariam ganhando importância política na crise do capitalismo.
Segundo o executivo, democracia e capitalismo sempre tiveram uma estreita correlação, que está sendo deixada de lado pela emergência de países capitalistas não-democráticos, e essa seria uma mudança estrutural que precisaria ser analisada.
O historiador inglês Niall Ferguson em recente artigo no “Financial Times”, se encarrega de confirmar a mudança de parâmetros dessa relação, demonstrando que mais importante que a economia para a democracia é a cultura. Ele aborda esse tema a partir de uma pergunta: por que a democracia floresce em alguns países, mas não prospera em outros? A resposta mais simples é a que vê efeitos da economia nesse processo, mas não a mais correta no momento atual do mundo. Ferguson destaca o trabalho do cientista político Adam Przeworski, professor da Universidade de Nova York, segundo quem há uma ligação estreita entre a renda per capita de uma população e a probabilidade de que a democracia prevaleça no país.
Em um país em que a renda média é abaixo de U$ 1 mil por ano, é improvável que a democracia dure uma década, ao passo que onde a renda média excede a U$ 6 mil por ano, a democracia é praticamente indestrutível, afirma Przeworski.
Essa tese parece plausível à primeira vista, avalia Niall Ferguson, citando um ranking da Freedom House, uma ONG de direitos humanos, que coloca os países mais ricos da Europa Ocidental como os de índice máximo de democracia, enquanto entre os países com os índices mais baixos estão os mais pobres da África.
Uma outra teoria econômica lembrada por Ferguson é a do economista de Harvard Benjamin Friedman, que sustenta que o permanente crescimento econômico, mais do que o nível de renda, conduz à democratização de um país.
Ferguson admite que, do ponto de vista de longo prazo da História, essa tese parece correta, com o período da Grande Depressão nos EUA tendo sido o grande desafio da democracia. Mas, ressalta, os recentes acontecimentos econômicos têm enfraquecido essas teses.
Nunca o mundo como um todo experimentou um crescimento econômico como o registrado entre 2001 e 2007, e apesar disso a democracia ganhou muito pouco nesse período. Ao contrário, as economias que cresceram mais rapidamente desde 2000 foram as de países não-democráticos.
Ferguson analisa o caso dos chamados Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), conjunto de países que, segundo a consultoria Americana Goldman Sachs, serão as principais economias dentro de 40 a 50 anos.
Enquanto a parte da comunista China no PIB mundial cresceu 2,5 pontos percentuais nos últimos sete anos, a democrática Índia cresceu apenas 0,6%. A Rússia autocrática de Putin teve performance superior ao democrático Brasil por uma margem comparável. E essa disparidade entre democracias e autocracias tende a se ampliar, ressalta Ferguson. Daqui até 2050, de acordo com o estudo da Goldman Sachs, a parte da China no PIB mundial vai crescer de 4% para 15%, enquanto a do G-7, os países mais ricos do mundo, vai cair de 57% para 20%.
Outros países emergentes previstos para crescer nos próximos 40 anos são Egito, Irã, Nigéria, Paquistão e Vietnã, nenhum deles candidato a uma bem sucedida democratização, comenta ironicamente o historiador inglês, para lembrar que essa íntima relação benéfica entre capitalismo e democracia parecia existir entre os anos 1980 e 1990, quando o progresso econômico parecia levar ao progresso político, como, de outro modo, parecia possível que a democracia levasse ao progresso econômico.
Hoje as coisas parecem diferentes, diz Ferguson, quando uma economia comandada pelo Estado está enriquecendo a China e outros países asiáticos, sem importar seus sistemas políticos, enquanto suas demandas por energia e commodities enriquecem produtores democráticos e não-democráticos indistintamente.
Segundo o estudo da Goldman Sachs, em cerca de 40 anos os Bric juntos poderão ser maiores que os países que formam hoje o G-6 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Itália). Desses, apenas Estados Unidos e Japão estarão no G-6 em 2050, e os quatro Bric poderão estar lá.
Pelo estudo, o Brasil será a quinta economia do mundo, medida pelo Produto Interno Bruto, se crescer em média 3,6% nos próximos 50 anos. Isso teoricamente não seria problema, já que nos últimos 50 anos o crescimento médio do Brasil foi de 5,3%. Mas essa média foi conseguida com um forte crescimento que não se repetiu nos últimos 20 anos.
Segundo as projeções da Goldman Sachs, o Brasil cresceria de 2005 a 2010 a uma média de 6, 3%, previsão superestimada, pois nossa média de crescimento de 2005 a 2007 é de 4%, bem abaixo do crescimento de Russia, Índia e China, os outros três países que formam a sigla Bric, e, com a crise financeira internacional, é improvável que consigamos atingir esse patamar nos próximos três anos.
Mas isso seria razão para sairmos do grupo de países emergentes que dominarão a economia nos próximos anos? Estamos no trilho de crescimento que nos mantém dentro da previsão da Goldman Sachs para o período, e, segundo o historiador Niall Ferguson, a História está do nosso lado.
Amanhã, As tartarugas democráticas
Entrevista:O Estado inteligente
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