Ele provou do próprio veneno
Imad Mughniyah, do Hezbollah, introdutor do
atentado suicida, é assassinado em Damasco
Duda Teixeira
Mazel Akl/AFP |
Funeral de Mughniyah, em Beirute: ele foi o terrorista que mais matou americanos até aparecer Bin Laden |
Antes de Osama Bin Laden, havia Imad Mughniyah. Durante duas décadas, até que seu nome fosse eclipsado pelo ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, o libanês Mughniyah esteve no topo da lista dos mais procurados do governo americano e, obviamente, também na relação israelense dos marcados para morrer. Na terça-feira passada, ele foi morto por uma explosão que destruiu seu Mitsubishi Pajero num bairro nobre de Damasco, a capital da Síria. Só então sua figura corpulenta e grisalha se tornou pública, em fotos divulgadas pelo Hezbollah, do qual era oficialmente vice-secretário-geral. Antes só eram conhecidas fotos pouco nítidas tiradas dele na juventude. A obscuridade reflete o mundo de sombras em que o terrorista perambulava desde a guerra civil libanesa. Sua face não era conhecida, mas sua mão esteve nos atentados mais sangrentos, como a destruição do prédio de uma associação beneficente judaica que matou 85 pessoas em Buenos Aires em 1994. Há dois anos, a Argentina decretou sua prisão pelo crime. A contribuição mais duradora de Mughniyah para os anais das atrocidades modernas foi a introdução do atentado suicida no Oriente Médio.
De origem humilde numa aldeia xiita do sul do Líbano, Mughniyah primeiro trabalhou para Yasser Arafat, o líder da Organização para a Libertação da Palestina. Logo criou seu grupo terrorista, a Jihad Islâmica. Contava com o financiamento e a orientação ideológica dos aiatolás do Irã, país do qual era uma espécie de representante no Líbano. Tinha apenas 21 anos quando planejou o primeiro atentado suicida: o caminhão-bomba que destruiu a embaixada americana em Beirute, matando 63 pessoas, em 1983. Com o mesmo método, colocou abaixo os quartéis das tropas americanas e francesas, com a morte de mais de 300 pessoas. Os franceses e americanos estavam em missão de paz no país assolado pela guerra civil. Dois anos depois, ele seqüestrou um avião da TWA. Um dos passageiros contou à CNN que, quando Mughniyah falava de Israel, "seu tom de voz ia aumentando até que ele começava a gritar, com os olhos vidrados. Eu pensava que ele ia sacar a arma e começar a atirar ali mesmo". No fim, ele e seus comparsas assassinaram apenas um marinheiro americano que estava a bordo. Nos anos seguintes, o terrorista dedicou-se ao seqüestro de dezenas de cidadãos ocidentais no Líbano. Entre eles estava o chefe da estação da CIA em Beirute, William Buckley, que, acredita-se, Mughniyah torturou e assassinou pessoalmente.
O libanês foi o terrorista que mais matou americanos até o atentado às Torres Gêmeas, em 2001. Quem organizou seu assassinato? O Hezbollah acusa Israel e promete represálias terríveis. É provável que tenha razão. Os israelenses têm a tradição de perseguir e assassinar seus inimigos no exterior e estão em guerra com o Hezbollah. Como chefe do serviço de inteligência da organização xiita, Mughniyah foi o responsável pelo seqüestro de soldados israelenses, episódio que detonou a chamada segunda guerra do Líbano. Por outro lado, não se deve descartar a possibilidade de a iniciativa de matá-lo ter vindo de outros inimigos, além do estado judeu.
Os americanos acreditam que Mughniyah tenha treinado a milícia iraquiana de Moqtada AL Sadr, um clérigo xiita inimigo dos Estados Unidos. O porta-voz do Departamento de Estado americano, Sean McCormack, comemorou a morte de Mughniyah: "O mundo tornou-se um lugar melhor". Nos anos 80, depois do atentado que matou 241 fuzileiros navais, os Estados Unidos evacuaram suas tropas do Líbano. A retirada precipitada foi interpretada por Osama Bin Laden como a comprovação da fragilidade americana, de um governo incapaz de suportar a perda de alguns soldados. Segundo um de seus biógrafos, isso incentivou o saudita a lançar a guerra santa contra os Estados Unidos.
O seqüestro do vôo da TWA foi uma das raras vezes em que Mughniyah participou diretamente de um ataque terrorista. O homem que inventou o atentado suicida considerava-se importante demais para morrer pela causa. Sua morte muda alguma coisa na geografia do terror? Em teoria, ninguém é insubstituível. Seu sucessor pode ser ainda mais cruel e implacável. De qualquer forma, pode-se contar com o efeito psicológico da mensagem transmitida pelo assassinato: por mais cuidado que tome, nenhum terrorista pode se julgar em segurança.
Cabeças a prêmio Até ser substituído por Bin Laden, Mughniyah era o principal nome na lista dos mais procurados pelos EUA. Vários terroristas já foram mortos ou capturados
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