Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 09, 2008

Governo Cartões: nós pagamos e não podemos nem reclamar?

A república dos cartões

Como a precariedade no controle dos gastos e a desfaçatez
de funcionários do governo desmoralizaram um instrumento
criado para dar mais transparência aos gastos públicos. O mau
exemplo começa na Presidência da República, cujas faturas
milionárias permanecem secretas


Fábio Portela



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Nesta reportagem
Quadro: O problema está nos saques

No mundo real, um cartão de crédito é um instrumento que impõe uma série de regras ao seu portador. Em primeiro lugar, é preciso passar por uma análise da operadora, que definirá o limite a ser autorizado para as despesas. Quem tenta gastar mais do que pode tem o cartão bloqueado, e quem atrasa o pagamento é punido com juros de até 14% ao mês. No mundo real, um cartão também serve para sacar dinheiro vivo em caixas eletrônicos, mas isso sai caro, já que o banco cobra até 10 reais de taxa fixa por saque, mais os juros até o dia do vencimento da fatura. Há outro mundo, no entanto, habitado por uma casta de funcionários públicos federais, onde tudo é infinitamente mais fácil. Nele, qualquer um pode ter um cartão corporativo, desde que conte com a simpatia do chefe.

Não há limite para gastos nem para saques em espécie (por lei, o teto das despesas deveria ser definido em cada repartição pública, mas uma série de truques contábeis permite driblá-lo sem maiores problemas). Seus portadores não precisam se preocupar com as taxas que serão cobradas pelos bancos ou pela operadora, já que o dinheiro não é deles. Ah, sim, também não é preciso esquentar a cabeça com o pagamento da fatura no fim do mês – ele fica a cargo do Tesouro Nacional. Quanto às eventuais malversações ou "equívocos" cometidos no uso dos cartões, isso é o de menos. A fiscalização dos gastos, como se provou nas últimas semanas, é conduzida com o rigor que já se tornou uma característica do atual governo. O mundo deles, convenhamos, é muito melhor do que o nosso – o real, construído com estudo e trabalho.

Os contribuintes começaram a informar-se do funcionamento desse mundo encantado dos burocratas federais há algumas semanas. Por lei, os cartões de crédito corporativos, adotados pelo governo em 2001, para conferir mais transparência aos gastos dos funcionários públicos, servem para que seus portadores possam fazer face a despesas "esporádicas e emergenciais". Mas está evidente que, na prática, eles se tornaram passaportes para uma verdadeira esbórnia com o dinheiro público. A primeira descoberta foi a de que alguns ministros se habituaram a usar o cartão a toda hora e da maneira que lhes dava na telha: para comer um lanchinho, fazer compras em free shop, hospedar-se com a família em hotéis de luxo e jantar em restaurantes caros (churrascarias parecem ter a predileção da maioria). Em seguida, soube-se que a bandalha envolvia milhares de funcionários, incluindo os que servem à Presidência da República.

Andre Dusek/AE
Dilma Rousseff: segundo a ministra, gastos da Presidência têm de continuar sigilosos

Na semana passada, VEJA mostrou que até as despensas e adegas do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto – residências oficiais da família Lula – vêm sendo abastecidas por meio de cartões corporativos. Um dos assessores mais próximos de Lula, José Henrique de Souza, usou o cartão em açougues, supermercados, padarias, peixarias e lojas de bebidas. O caso chama atenção porque manda a lei que os fornecedores da Presidência devem ser escolhidos por licitação – e não por acaso, ou por escolha pessoal de um assessor. Ao longo do ano passado, Souza gastou 115.000 reais com despesas aparentemente bem pouco emergenciais. No mundo real, trata-se de um bom dinheiro, suficiente para comprar um apartamento de dois quartos em São Paulo. No mundo encantado, porém, é uma mixaria. Para se ter uma idéia, dez colegas de Souza no Planalto, responsáveis por dar assistência a Lula e sua família e acompanhá-los em viagens oficiais, gastaram nada menos que 3,7 milhões de reais em 2007. No que eles torraram a mufunfa? É segredo de estado, "questão de segurança", segundo disse a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. O detalhamento dos gastos do despenseiro Souza, por exemplo, só veio à tona graças a um cochilo do governo.

O grupo dos dez não conhece limites. O maior gastador do gabinete presidencial no ano passado foi João Domingos da Silva Neto, com 585.900 reais. Desde que o PT chegou ao poder, em 2003, ele já fez despesas de 1,3 milhão de reais no cartão oficial – desse total, 181500 reais foram sacados em dinheiro vivo. O campeão de gastos no acumulado da gestão petista, no entanto, é Clever Pereira Fialho. Suas faturas, somadas, chegam a 2,4 milhões de reais, dos quais 263 500 reais foram sacados em espécie. Juntos, os dez maiores gastões da secretaria da Presidência foram responsáveis por despesas de 11,6 milhões de reais desde 2003. Sem licitação, sem controle, sem medo de ser felizes. Tudo sob o manto da "questão de segurança", uma explicação que não resiste à luz da legalidade. "Se a Presidência da República tem gastos, esses gastos devem ser revelados. Não há preceito na Constituição Federal que, interpretado e aplicado, direcione a esse sigilo quanto aos gastos do poder público", afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal.

A recusa do governo em detalhar os gastos dos assessores mais próximos do presidente Lula e de sua família não contribui em nada para desanuviar as suspeitas que se acumulam sobre os 11510 cartões corporativos atualmente nas mãos de 7145 funcionários públicos do governo federal (alguns têm mais de um). É justificável que os gastos realizados estritamente com a segurança presidencial sejam mantidos em sigilo. Mas há uma grande diferença entre gastos sigilosos e gastos clandestinos. No modelo atual, não há nenhum controle externo sobre boa parte das despesas da Presidência. Quem faz esse trabalho é um órgão ligado ao gabinete presidencial – ou seja, é a clássica história da raposa tomando conta do galinheiro. Uma das poucas tentativas de fiscalização do uso do cartão corporativo data de 2003, quando o deputado Carlos Sampaio, do PSDB paulista, pediu à Procuradoria da República esclarecimentos sobre os gastos dos assessores mais próximos de Lula. Na ocasião, o Tribunal de Contas da União iniciou uma nunca concluída auditoria sobre o tema. Os parquíssimos resultados divulgados até agora revelam, no entanto, que, se algum dia o tribunal decidir empenhar-se na análise do tema, terá muito trabalho.

Sabe-se, por exemplo, que, em 2003, logo no início do governo, assessores palacianos transformaram em uma grande festa uma viagem de Lula ao interior de São Paulo, pagando diárias a pessoas que nem sequer estavam na comitiva oficial e superfaturando o pagamento de hospedagens. Uma análise superficial de um pacote de notas fiscais emitidas em nome da Presidência da República mostra a existência de fraudes primárias. A de número 7.987, por exemplo, emitida em 2004 pela empresa Belini Pães e Gastronomia, teve seu valor rasurado de R$ 9,44 para R$ 99,44, como puderam notar os auditores do TCU. "O que mais preocupa é que essa nota foi encontrada em um trabalho de fiscalização por amostragem, que analisou apenas 2% do total de notas", diz o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP). "É impossível saber quantas fraudes desse tipo foram feitas", conclui.

Celso Junior/AE
O senador Jucá, líder do governo: empenho para criar uma CPI que, em vez de investigar, abafe

Até o momento, os cartões corporativos do governo ora foram usados para desviar dinheiro público, ora para pagar gastos que não deveriam ser bancados por esse sistema. No caso das despesas feitas com cartão oficial pelos seguranças dos filhos do presidente Lula, nada indica que as despesas declaradas não ocorreram. A única filha do presidente, Lurian Cordeiro da Silva, mora com o marido e dois filhos em um condomínio em Florianópolis. Para protegê-la, o governo alugou uma casa na cidade. O imóvel funciona como centro de operações de uma equipe formada por meia dúzia de agentes que se revezam na tarefa de proteger Lurian e sua família. Com essa finalidade, entre abril e dezembro do ano passado, João Roberto Fernandes Júnior, servidor lotado no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, gastou 55000 reais com um cartão corporativo do governo. A maior parte das despesas diz respeito a pagamentos em concessionárias de automóveis – referentes à manutenção da frota que serve aos seguranças de Lurian –, casas de ferragens e lojas de aparelhos eletrônicos de segurança, como câmeras e alarmes. Em uma das lojas, a Dominik, foram compradas peças de ferro usadas na construção de alvos fixos para a prática de tiro. O cartão também bancou a instalação de grades na casa dos seguranças, lanches em padarias e material de escritório. Ao contrário do que ocorreu com os ministros de Lula, os funcionários a serviço de Lurian não gastaram dinheiro com diversão particular. O dado espantoso é que um segurança tenha autonomia para ordenar despesas dessa monta – o equivalente a um bom carro zero-quilômetro. Faz parte da boa administração do dinheiro público o critério na escolha de fornecedores e a cotação de preços, condutas normalmente observadas por funcionários especializados em compras – mas não necessariamente por um segurança.

Além de explicar os gastos dos assessores do Planalto – os públicos e os secretos –, a maior dor de cabeça para o governo diante da auditoria do TCU (se ela for para valer) será apresentar notas fiscais capazes de justificar não apenas as compras feitas com os cartões, mas, principalmente, os saques em espécie. Essa é uma das maiores caixas-pretas da administração Lula. Nos últimos anos, os petistas promoveram uma derrama de cartões oficiais pela máquina pública. Hoje, os 11510 cartões válidos estão nas mãos de servidores das mais variadas patentes, de ministros de estado a seguranças, passando por assessores palacianos, motoristas, reitores de universidades, pesquisadores e arapongas dos serviços de informação. No ano passado, todo esse pessoal sacou 58,7 milhões de reais em dinheiro. No Portal da Transparência – o site do governo que contém os dados sobre os cartões corporativos e se transformou em um hit da internet nas últimas semanas – é simplesmente impossível saber o destino dessa dinheirama. Com os saques em espécie sendo feitos aos borbotões, os cartões perdem sua função primordial: em vez de facilitar a fiscalização dos gastos públicos, acabam por dificultá-la.

Celso Junior/AE
O ministro Marco Aurélio Mello, do STF: defesa da total transparência

As regras que deveriam orientar o uso dos cartões oficiais não estão claras para a maioria dos servidores. Por incrível que pareça, quem recebe um cartão oficial não é obrigado a assinar nenhum termo de responsabilidade, especificando em quais situações o instrumento pode ser usado. Essa foi a justificativa utilizada pela ex-ministra Matilde "Free Shop" Ribeiro, da Igualdade Racial, obrigada a pedir demissão depois que sua farra com os cartões veio a público. Ela disse que os usou para pagar despesas pessoais porque não foi orientada corretamente. A mesma explicação deu o ministro Orlando Silva, dos Esportes, que devolveu 30800 reais aos cofres públicos – a totalidade de sua fatura em 2006 e 2007 –, para conseguir se manter no cargo. Ou seja, mais uma vez fica demonstrado que não dá para confiar na ética pessoal de cada um. Por isso, as regras precisam ser transparentes, escritas em linguagem simples e, por fim, assinadas por quem ocupa um cargo público.

No setor privado, onde os cartões corporativos surgiram, há normas bem delineadas para controlar os gastos dos executivos. Em geral, não se permitem saques em dinheiro. Quando essa possibilidade existe, o portador do cartão deve se submeter a uma rigorosa prestação de contas, apresentando notas fiscais que justifiquem a retirada. Em algumas empresas, isso deve ser feito em, no máximo, dez dias. No governo, o prazo é a perder de vista. Além disso, no mundo empresarial, não se pode usar o cartão em qualquer tipo de estabelecimento, mas apenas naqueles definidos pela empresa. Em muitos casos, o cartão só fica em poder do funcionário durante viagens a trabalho e é devolvido assim que ele retorna. Os executivos brasileiros que possuem cartões corporativos gastam, em média, 4.000 reais por ano. Os funcionários do governo federal despendem quase 70% a mais: 6 700 reais, em média. Já entre os servidores da Presidência da República, onde a maior parte dos gastos fica mantida em sigilo, os valores médios saltam para 56 000 reais por ano. Essa diferença mostra claramente que, quanto menor é o controle, maior é a gastança.

A transparência, no entanto, não é uma exclusividade do setor privado. Muitos governos conseguem controlar os gastos de suas autoridades sem maiores problemas. Um dos países onde o controle de cartões corporativos é mais eficiente é a Austrália. Além de ter sido uma das primeiras nações do mundo a adotar o cartão corporativo, ainda em 1989, a Austrália foi também uma das pioneiras na divulgação de gastos governamentais na internet. Há uma série de diferenças entre o modelo australiano e o brasileiro. Lá, existe um manual de uso do cartão com regras claras para os gastos. O funcionário que recebe esses cartões tem de assinar um termo de compromisso responsabilizando-se pelo uso. Isso faz com que o governo possa processá-lo, caso haja abuso de gastos. Também há diversas restrições. O cartão não pode ser usado para: despesas pessoais, combustível (para isso há um cartão específico), saque de dinheiro (a não ser com permissão por escrito de alguma autoridade), compras em que o funcionário receba vantagens individuais na transação, como aquisição de passagens aéreas com ganho de milhas e gastos que, se fossem pagos em dinheiro ou em cheque, sairiam mais em conta. Na vizinha Nova Zelândia, o uso dos cartões de forma irregular – para pagar despesas pessoais ou sacar dinheiro em espécie, por exemplo – é causa de punições rigorosas, que vão de descontos na folha de pagamento à perda do cargo ou do mandato. Na França, até a ex-mulher do presidente Nicolas Sarkozy, Cécilia Sarkozy, teve de devolver um cartão de crédito funcional depois que a imprensa descobriu que ela o havia utilizado para pagar refeições a convidados em restaurantes.

Ao contrário das crises anteriores, quando o governo apenas reagia às denúncias de maneira atabalhoada, desta vez há uma estratégia bem definida. A ministra Matilde Ribeiro foi rapidamente demitida. E, pela primeira vez na administração Lula, o Palácio do Planalto se antecipou e pediu a instalação de uma CPI para investigar o próprio governo. A idéia foi sugerida ao ministro das Relações Institucionais, José Múcio, pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá. "Como a CPI no Senado era iminente, decidimos que nós mesmos iríamos sugerir a abertura da investigação", diz José Múcio. Por telefone, o ministro consultou o presidente Lula, que está em férias no litoral de São Paulo. "Vamos em frente. Não temos nada a esconder", disse Lula. O governo avalia que a crise é pequena e passageira se comparada a outros escândalos, como o mensalão. Teme, porém, as conseqüências políticas, porque considera o assunto de fácil entendimento pela população. Mordomia de governantes, afinal, é uma das poucas coisas que ainda provocam indignação em muitos eleitores. Mas é uma ingenuidade pensar que o pedido de CPI apresentado pelo Palácio do Planalto é para esclarecer os fatos. Na verdade, não passa de uma estratégia para que a investigação não chegue a lugar algum.

"Propor a CPI nos dá a prerrogativa de estabelecer o foco das investigações – e o foco será amplo", explica José Múcio. Com isso, as despesas do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso feitas antes da criação dos cartões corporativos foram incluídas no pedido de abertura. A devassa, segundo a proposta, retroage a 1998. O objetivo é esmiuçar todos os gastos com despesas administrativas no segundo mandato de FHC. O governo, evidentemente, não ampliou a investigação por acaso. Uma equipe de auditores, trabalhando sigilosamente dentro do Palácio do Planalto, já encontrou vestígios de irregularidades em gastos durante a gestão dos tucanos. Por fim, da forma como a CPI foi proposta, as investigações arrastariam para o balaio mais três ex-presidentes da República – José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco. Os ex-presidentes têm direito à segurança oficial depois de deixar o cargo. As pequenas despesas da equipe também são custeadas com o uso dos cartões de crédito corporativos. Quebrar o sigilo dos gastos de Lula significa estender a medida a todos os ex. "Já tem senador de oposição querendo tirar a assinatura da CPI", diz José Múcio. A estratégia oficial ainda conta com o trunfo de mostrar que os gastos totais diminuíram no atual governo – e com a esperança de que a oposição "esqueça" que os saques em dinheiro aumentaram exponencialmente.

A fumaça do escândalo sobre o mau uso dos cartões de crédito do governo federal foi detectada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) há três anos. De lá para cá, o órgão já realizou três auditorias sobre o caso, mas curiosamente nunca encontrou nada parecido com as maracutaias que vieram a público nas últimas semanas. Na primeira investigação, realizada em 2005, o TCU descobriu que funcionários do Palácio do Planalto, cujas faturas somavam 3 milhões de reais, sacaram 2 milhões em espécie em apenas sete meses. Em vez de investigar a natureza desses gastos, esmiuçando as notas fiscais que justificavam os gastos em dinheiro, o TCU limitou-se a recomendar ao governo que agisse com mais moderação na boca do caixa. Ao analisar um conjunto de apenas cinqüenta notas fiscais, porém, uma equipe lotada no gabinete do senador Alvaro Dias (PSDB-PR) encontrou quatro notas fiscais frias. A divulgação dos comprovantes fajutos levou o TCU a abrir a segunda investigação, no início de 2006.

De novo, porém, o tribunal se limitou a confirmar o que já se sabia. Ao detectar as notas frias, o TCU recomendou que os funcionários responsáveis pelo uso indevido dos cartões devolvessem o dinheiro aos cofres públicos. A terceira investigação, que está em curso, apura o uso de cartões de crédito por agentes da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. Na semana passada, diante das novas revelações sobre o escândalo dos cartões, o TCU anunciou que fará a quarta auditoria. Tudo indica que, de novo, não chegará a lugar algum. "Fiscalizamos as despesas de 12.000 órgãos públicos, mas temos apenas 1.500 analistas. A onipresença, nesse caso, é humanamente impossível", adianta o ministro Ubiratan Aguiar, do alto da experiência de quem já comandou duas investigações fracassadas. O mundo da burocracia federal é mesmo encantado.

Fac-símile de nota fiscal emitida em nome da Presidência: auditores do Tribunal de Contas da União apontaram indícios de adulteração no valor, que passou de R$ 9,44 para R$ 99,44 (no destaque)

Os mais gastões

Órgãos do governo federal

Presidência da República - Com 93 funcionários autorizados a fazer despesas com cartões corporativos, a Presidência da República gastou 5,2 milhões de reais no ano passado, dos quais 10% são referentes a saques em dinheiro. A maior parte dos gastos está justificada no Siafi (sistema eletrônico que relaciona as despesas do governo federal) apenas como "suprimento de fundos", o que torna impossível identificar sua origem

Otávio Magalhães/AE


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
Responsável por 46% dos gastos com cartões corporativos do governo, o IBGE é também recordista no número de servidores que possuem o benefício: 1 746. Gastou 37 milhões de reais no ano passado. Quase 90% desse valor se refere a saques em dinheiro

Haroldo Abrantes/AE


Comando da Marinha -
Sozinho, foi responsável por 97% das despesas do Ministério da Defesa pagas com cartão corporativo em 2007. As faturas, que totalizam 915 000 reais, incluem compra de chocolates finos e de pedras brasileiras, além de almoços e jantares

Abin - A Agência Brasileira de Inteligência está entre os líderes de gastos nos cartões corporativos. Em 2007, foram 11,6 milhões de reais, dos quais pelo menos 1 milhão de reais em saques. Todas as faturas são secretas. Sabe-se apenas que o órgão usa, no mínimo, sessenta cartões

Agências reguladoras

Anvisa, Anatel, ANP, ANTT e Aneel, cinco das 10 agências reguladoras do país, gastaram, juntas, mais de 1 milhão de reais com cartões. Entre as despesas, constam compras em supermercados, postos de gasolina e artigos para festas. A Anvisa foi a que mais gastou: 288 000 reais — dos quais quase um terço do valor foi sacado em dinheiro

Seguranças dos filhos do presidente Lula

Funcionários que fazem a segurança da família do presidente Lula em São Bernardo do Campo (SP) gastaram 149 000 reais em cartões corporativos no ano passado. Já as faturas apresentadas pelos seguranças de Lurian, a filha do presidente que mora em Florianópolis (SC), somaram 55 000 reais

Ministros

Celso Junior/AE

Matilde Ribeiro - A ex-ministra da Igualdade Racial, campeã nos gastos com cartão corporativo em 2007, acumulou 171 500 reais em despesas, incluindo uma compra num free shop e pagamentos em bares e restaurantes no período em que estava de férias. Caiu no último dia 1º

Marcello Casal/ABR

Altemir Gregolin - Segundo colocado no ranking dos ministros que mais gastaram com o cartão corporativo (22 600 reais), o titular da Pesca usou o recurso para pagar despesas com alimentação e diárias em hotéis durante o Carnaval do Rio de Janeiro no ano passado. Alegou estar lá a serviço, já que o tema de um dos desfiles era o bacalhau

Patricia Santos/AE

Orlando Silva - O ministro do Esporte, terceiro lugar no ranking dos gastões, usou o dinheiro público para pagar, além da própria hospedagem, também a da filha, da mulher e da babá em hotel no Rio. Dos quatro dias em que a família permaneceu na cidade, apenas dois eram úteis. No último dia 2, Silva anunciou a devolução de 30 800 reais aos cofres públicos referente aos seus gastos desde 2006

Como funciona em outros países

Ao contrário do que ocorre no Brasil, a maioria dos governos que utilizam cartões corporativos proíbe o saque em dinheiro. O número de funcionários autorizados a usar o recurso também é mais limitado, assim como o leque de despesas permitidas

Austrália

Quem está autorizado a usar cartões corporativos: funcionários responsáveis pelo setor de compras e serviços dos departamentos e funcionários que viajam freqüentemente

Quem controla os gastos: Departamento de Tesouro e Finanças do Ministério da Fazenda

Saques: não são permitidos, a não ser mediante autorização por escrito

O que pode ser pago: serviços de comunicação (fax, telefone, correio), despesas de viagem, compras feitas por meio de leilão eletrônico promovido pelo governo e compras que não superem o equivalente a 4 400 dólares

Nova Zelândia

Quem está autorizado a usar cartões corporativos: ministros, secretários de estado, diretores de departamento dos ministérios, diplomatas e funcionários cujo cargo exija viagens constantes e participação em compromissos oficiais

Quem controla os gastos: auditorias internas dos ministérios e auditoria externa por um tribunal de contas

Saques: não são permitidos

O que pode ser pago: despesas em viagens e compromissos oficiais

Espanha

Quem está autorizado a usar cartões corporativos: ministros e secretários de estado

Quem controla os gastos: auditorias internas e o Ministério da Fazenda

Saques: não são permitidos

O que pode ser pago: exclusivamente despesas em viagens

França

Quem está autorizado a usar cartões corporativos: alguns funcionários do primeiro escalão do governo

Quem controla: Tribunal de Contas

Saques: não são permitidos

O que pode ser pago: despesas com viagens (passagem, hospedagem, alimentação)


Fotos Lailson Santos e Dida Sampaio
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