Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

França Corretor que gerou rombo bilionário posa de vítima do sistema

O Che das finanças

Depois de dar o maior golpe financeiro da história, francês diz
ser vítima do sistema e vira ícone anticapitalista na internet


Julia Duailibi

Fred Tanneau/AFP
Kerviel em 2001, quando disputou (e perdeu) eleição para vereador de Pont-l’Abbé, sua cidade natal

A notoriedade do francês Jérôme Kerviel, autor da maior fraude financeira de que se tem notícia, já extrapola em muito a pequenina Pont-l’Abbé, cidade de 8 000 habitantes da região da Bretanha onde nasceu há 31 anos. E já vai além das páginas policiais e financeiras, nas quais surgiu há dez dias, depois que as autoridades descobriram operações que causaram perdas de 4,9 bilhões de euros (ou 7 bilhões de dólares) no banco em que trabalhava, o tradicional Société Générale. Para parte da opinião pública do país, historicamente aversa a sistemas movidos a lucro, Kerviel já é uma celebridade, uma espécie de herói anticapitalista. Já há mais de 100 comunidades em sua homenagem no site de relacionamentos Facebook. Enquanto isso, camisetas são vendidas com frases como "Sou namorada de Jérôme" ou "Jérôme Kerviel, 4 900 000 000 (de euros). Respeito". A multidão comprou sua causa. Kerviel tem sido comparado ao personagem bíblico Davi, por ter vencido uma espécie de Golias do capitalismo, a Robin Hood e até chamado de Che Guevara das finanças.

Benoit Tessier/Reuters

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A simpatia em torno do francês ganhou combustível após Kerviel apresentar sua defesa às autoridades: um arrazoado hipócrita baseado na tese de que, sendo um pobre "patinho feio" no meio das estrelas do banco, ele cometeu os crimes para compensar suas deficiências de formação. Kerviel nem de longe era um dos operadores mais brilhantes da instituição. Formado na Universidade de Lyon, tida como uma faculdade de segunda linha para a área de negócios, seu currículo contrastava com o de geninhos do seu setor, formados pelas melhores escolas de finanças da França. Em seu depoimento, ao qual o jornal Le Monde teve acesso, ele se esforça para sustentar essa tese sem pé nem cabeça. Kerviel disse às autoridades que era "estressante" ocupar uma posição considerada mais baixa. Quando foi promovido para a mesa de operações do banco, há mais de dois anos, o francês disse ter percebido que não seria pago como os outros. "Eu não tinha a menor ilusão. Sabia muito bem que ganharia menos que as outras mesas de operação e que eu não seria pago de acordo com os padrões do mercado." Mas, em vez de correr para aplacar a desvantagem, escolheu o caminho mais simples: aplicou o golpe na tentativa de inflar o seu bônus. Ele contou que tudo começou em 2005, quando apostou na queda dos mercados, o que de fato ocorreu com os ataques terroristas daquele ano em Londres. Como a operação havia sido arriscada demais, resolveu escondê-la. A partir dali, passou a, sistematicamente, fazer operações fictícias para encobrir eventuais perdas. Com um pouco de mistério no ar, a advogada de Kerviel argumentou vagamente ser pouco provável que seus superiores não soubessem de nada. Até agora nada indica que soubessem. O fato é que Kerviel não tem absolutamente nada de Robin Hood. Ao contrário, buscava, por meios criminosos, tudo o que o capitalismo oferece de melhor. Há que se reconhecer a semelhança entre o falsário e Che Guevara.


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