Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

O micro de 100 dólares saiu por 370

Era uma vez um
laptop de 100 dólares

Preço alto do computador ameaça projeto
que une educação e tecnologia


Carlos Rydlewski

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A idéia era excelente. Em 2005, o cientista da computação Nicholas Negroponte apresentou o protótipo de um laptop que custaria a bagatela de 100 dólares – um décimo do valor de um computador portátil vendido nas lojas. Baratíssimo, o aparelho seria distribuído em larga escala para estudantes em regiões pobres do planeta. O acesso de milhões de jovens ao mundo digital estaria garantido. A figura de Negroponte, co-fundador do lendário Media Lab, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), acrescentava credibilidade e perspectivas de sucesso à proposta. Tudo lindo, não fosse um detalhe: três anos depois, o "laptop de 100 dólares" custa 188 dólares na porta da fábrica – o que não inclui despesas elementares como o transporte. Em recente leilão eletrônico realizado pelo Ministério da Educação (MEC), o aparelho foi oferecido por 370 dólares. Qual o significado desse preço? Quem responde é Roseli Lopes, pesquisadora do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP, entusiasta da idéia de Negroponte e uma das responsáveis pelos testes do laptop no Brasil: "Ele torna impraticável o projeto de entregar um computador por criança nas escolas públicas do país", diz.

Várias barreiras impediram a queda do preço do computador. No início do projeto, quando fundou a organização sem fins lucrativos One Laptop Per Child (OLPC), Negroponte acreditava numa ampla demanda por esse tipo de maquininha. A procura acentuada baratearia o produto. Em 2005, o ex-pesquisador do MIT estimou que o mundo teria entre 5 milhões e 10 milhões desses notebooks em uso no início de 2007. Isso nunca aconteceu. Somados, os atuais pedidos e as intenções de compra de laptops da OLPC não ultrapassam 500.000 unidades. É pouco. Somente em um trimestre, a Apple vende mais de 2 milhões de computadores Macintosh.

Os portáteis para uso educacional conquistaram os estudantes, em testes realizados em países distintos como Afeganistão, Ruanda e Brasil. Os técnicos também aprovam o emprego das máquinas em sala de aula. A maior parte dos especialistas tem certeza de que, bem empregada, a tecnologia é uma importante aliada da educação. Mas muitos governos permanecem reticentes. Em novembro, numa entrevista à BBC, o ministro da Educação da Nigéria, Igwe Aja-Nwachuku, expressou publicamente essa dúvida: "Qual a vantagem de um laptop, quando as crianças não têm onde se sentar para estudar?". Negroponte sempre respondeu a essa questão alegando que a precariedade só acentua a necessidade do uso de laptops. Nesse caso, as máquinas atuariam como um atalho para o conhecimento. Falou, mas não convenceu todos os interlocutores.

O cientista também não contava com uma divisão do mercado de portáteis de baixo custo. A OPLC criou o laptop de 100 dólares, batizado de XO, usando chips da Advanced Micro Devices (AMD). Para não ficar atrás, a Intel – líder no mercado de processadores e a principal concorrente da AMD – lançou um computador com características semelhantes, o Classmate. Apesar da disputa, em julho de 2007 a Intel ingressou no conselho da OLPC. Mas a união durou seis meses. Em janeiro, Negroponte rompeu com a empresa. Acusou a companhia de sabotar seu projeto, oferecendo o Classmate nos mesmos lugares onde a OLPC tentava emplacar o XO.

No leilão realizado pelo Ministério da Educação (MEC), antes do rompimento oficial, a Intel e a OLPC já estavam em lados opostos. No Brasil, a proposta mais em conta foi feita pela Positivo, que fabricaria o Classmate. Ofereceu cada máquina por 350 dólares. O XO ficou em 370 dólares. Ao saberem do valor final do pregão, integrantes do governo, que pretendia comprar 150.000 computadores para alunos de 300 escolas em todo o país, suspenderam o processo de aquisição. Tomaram um susto com o preço real do computador de "100 dólares". Impostos e exigências do MEC, como seguro, suporte técnico e garantia de três anos, contribuíram para encarecer o produto. Mas, mesmo sem todo esse acréscimo, os modelos de laptops educacionais não seriam vendidos no Brasil por menos de 240 dólares. Ou seja, custariam muito mais caro do que se imaginava três anos atrás. Em uma resposta enviada a VEJA, a OLPC afirmou que não considera seu projeto ameaçado, mas reconhece que os desafios da instituição não são pequenos. Disso ninguém duvida.

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