Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Dora Kramer - Assim não é como lhe parece



O Estado de S. Paulo
21/2/2008

O presidente Luiz Inácio da Silva pode estar apenas mal informado, mas pode ser também que esteja mal intencionado quando confere ares de naturalidade democrática à ofensiva orquestrada pela Igreja Universal do Reino de Deus contra os jornais Folha de S. Paulo e Extra e contra a agência A Tarde, da Bahia.

Todos eles, em particular a Folha, com reportagens de Elvira Lobato, publicaram material investigativo sobre as atividades que resultaram na formação de um império empresarial e de comunicação comandado por Edir Macedo, dito bispo da Universal.

“Se a Igreja Universal utilizou o Poder Judiciário, ela está utilizando um dos pilares da democracia”, disse o presidente da República, cujo vice, José Alencar, pertence ao partido (PRB) que dá sustentação parlamentar à igreja, o negócio original mediante o qual Edir Macedo começou a construir seu imenso patrimônio.

Proposital ou involuntariamente, não está claro, o presidente confunde as coisas e acaba por usar os mesmos argumentos da ditadura que levaram o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC à intervenção nos anos 80 e puseram seu presidente à época, Luiz Inácio da Silva, alguns dias na prisão. As Leis de Segurança Nacional e de Greve serviram de embasamento jurídico para o ato, eram “pilares da ditadura”.

A Lei de Imprensa invocada agora, no auge do furor judicante da tropa mobilizada pelo dito bispo País afora, é outro pilar de sustentação, não da democracia, como acredita - ou diz acreditar - o presidente, mas do arcabouço remanescente do autoritarismo.

Ao pleitear as indenizações e punições previstas nessa legislação e por diversas vezes já consideradas em tribunais superiores desproporcionais às previstas para os cidadãos em geral no Código Penal e outros dispositivos, a Universal visa mais que a obter reparação. Quer instituir um padrão de intimidação aos veículos de comunicação.

Daí a impropriedade de o presidente da República associar-se ao mau combate. Abstrair-se de discernir entre o que seja recurso natural à Justiça e tentativa de fazer daquelas ações em curso um combate à liberdade de imprensa e, por conseqüência, um ataque ao direito da sociedade de se informar sobre a construção de um império político, comercial, religioso e de comunicação.

Assim como não é “normal” - como já disse Lula - que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, imponha o fim das atividades de uma rede de televisão privada que exerce sua obrigação crítica sob o argumento do fim da licença de concessão, não é democrático que um empresário tente restringir investigações sobre suas atividades. Mais inaceitável ainda que o chefe de uma nação na vigência das liberdades empreste seu prestígio a esse ato.

Melhor proveito o presidente faria de sua alta popularidade se a usasse para, por exemplo, se aliar à luta do deputado Miro Teixeira em prol da revogação da Lei de Imprensa e esclarecer a população sobre o ganho à coletividade.

Não só a ele, que dispõe da prerrogativa da exceção da verdade na Lei de Imprensa, que impede o processado de produzir provas sobre a veracidade de suas afirmações e nutre notório desconforto com a atuação da imprensa, não parece interessar o enterro do entulho. Ao Parlamento também.

Há dez anos, o senador Jefferson Péres conseguiu aprovar no Senado um projeto revogando a Lei 5.250, de 1967. O assunto foi para a Câmara e lá dorme até hoje sem padrinho, pois aos políticos a Lei de Imprensa serve como instrumento de exceção, já que trata jornalistas e veículos de comunicação como inimigos da Nação.

Exatamente como fazia a ditadura com os cidadãos em geral, quando os submetia aos ditames da Lei de Segurança Nacional, e aos trabalhadores em particular, quando subtraia seu direito à reivindicação salarial mediante a Lei de Greve.

Toma lá

Dois anos depois, está explicado porque o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não processou Rogério Buratti quando foi acusado por ele de corrupção na Prefeitura de Ribeirão Preto.

Na ocasião, Palocci disse que achava impróprio processar alguém sendo ministro, mas tampouco falou em processo depois de sair do ministério. Agora Buratti recua, se retrata e fica evidente a combinação. Se houvesse a certeza do perjúrio, o caminho natural de Palocci teria sido provocar judicialmente a retratação.

Erro de pessoa

Lula defendeu Matilde Ribeiro. “Não cometeu nenhum delito, só falhas administrativas.” Nessa versão, ela saiu porque o presidente disse que não valia a pena ela ficar “sendo massacrada”.

Muito cavalheiresco. Mas ela saiu mesmo porque, se ficasse tendo comprovadamente desviado dinheiro público para compras particulares, os massacrados seriam Lula e a defesa do governo no uso dos cartões corporativos.

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