A economia global passa por um punhado de reviravoltas interligadas: o declínio da economia americana, a ascensão dos emergentes, a perda de confiança no dólar, a falta de referência na avaliação de riscos, a perplexidade dos bancos centrais, a alta da febre inflacionária...
E vamos ficar hoje com esse último tema. Nos últimos 20 anos ou mais, a inflação mundial quase sumiu. O Japão, por exemplo, ao longo dos anos 90, viveu um período de deflação conjugada com recessão econômica. O Banco do Japão (banco central do país) não sabia o que fazer para reativar a economia. Os juros chegaram a ficar negativos sem que o setor produtivo desse sinais de reação. De 2001 a 2006, um dos principais problemas do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) foi evitar que a economia americana descambasse para a deflação. Foi o que levou o Fed, comandado por Alan Greenspan, a manter os juros achatados, ao redor de 1% ao ano. Agora, acumulam-se as críticas de que a fartura de dinheiro assim proporcionada é a principal responsável pela criação das tais bolhas financeiras e por essa crise dramática por que passa a economia americana.
As razões do achatamento de então dos preços são conhecidas: o despejo no mercado global de produtos asiáticos feitos por mão-de-obra barata e o largo emprego de Tecnologia de Informação, que tornou a economia mais previsível e reduziu o emprego de materiais, capital e pessoal.
A novidade é que a inflação global voltou a pôr as mangas de fora. Ontem, o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos divulgou os números de janeiro. E o que se viu foi uma esticada nos preços acima do esperado, de 0,4%, ou 4,3% em 12 meses. (No ano passado, a inflação no país foi de 2,5%.) Nem mesmo o esfriamento da atividade econômica está evitando a puxada dos preços.
Nesta semana, o governo chinês reconheceu que o custo de vida em 12 meses terminados em janeiro aumentou 7,1%. Quer dizer, a China, que derrubou tanto os preços, está hoje no outro lado: contribui para o aumento da inflação global.
Por trás desse esquentamento está a disparada do petróleo e dos alimentos, fenômeno mundial cujo principal propulsor é o forte consumo asiático. No caso da alta dos alimentos, há também a crescente utilização de milho para a produção de etanol nos Estados Unidos: lá, em janeiro, os alimentos subiram 0,7%, a maior alta desde maio de 2004.
Essa infecção inflacionária deixa o Fed em situação delicada. A economia americana sofre de duas doenças: recessão e inflação. O diabo é que exigem políticas de direções opostas. Para atacar a recessão, o Fed precisa baixar os juros; para atacar a inflação, precisa aumentar os juros. Como não dá para pisar no acelerador e no breque ao mesmo tempo, é preciso escolher. E a escolha do momento é combater a recessão. O pacote de estímulos tributários que o governo americano acaba de aprovar também vai na direção oposta, na medida em que tende a aumentar o consumo e a acelerar os preços. Assim, o combate à inflação fica para quando a luta contra a recessão abrir espaço para a retomada da alta dos juros - como confirmou a ata do Fed, ontem divulgada. (Veja, ainda, o Entenda.)
Entenda
É mais dólar chegando - Do ponto de vista da economia brasileira, o principal impacto da manobra do Fed, que tende a injetar ainda mais recursos no mercado, é a progressiva desvalorização do dólar no câmbio internacional.
É fator que, por si só, tende a manter a força do real em relação ao dólar.
Mas há outro. A desvalorização do dólar tende a desviar o investidor internacional dos ativos em dólares, o que deve reforçar a entrada de capitais no Brasil, tanto para aplicações em renda fixa como para investimento.