Por outra coincidência ainda, o mensalão não morre mais. O ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira reapareceu na mídia ao fechar um confortável acordo com a juíza Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo. O acordo, como faculta a lei, suspendeu por três anos o processo contra ele por formação de quadrilha. (Para obter o acordo ele tacitamente confessou o crime.) Agora, porém, ele teve o desconforto de se ver novamente lembrado pela imprensa. Não poderia ser de outro modo. A investigação da PF, além de reconstituir o sistema de drenagem de recursos ilícitos para o PTB do então deputado Roberto Jefferson, chegou ao que o relatório final de 130 páginas se refere como "possível atuação de uma quadrilha comandada por pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores, por intermédio de Eduardo Medeiros".
Ora, ao depor na CPI dos Correios, em julho de 2005, embora negasse ter sido nomeado diretor de Tecnologia e Infra-Estrutura da ECT por indicação do secretário petista, como afirmara o ex-funcionário Maurício Marinho, admitiu delubianamente que nunca procurou desfazer a impressão de que seria ligado a Pereira - a quem teria visto não mais de duas vezes na vida. Marinho, recorde-se, é aquele que foi filmado embolsando a propina mixuruca de R$ 3 mil e contando que funcionava na estatal uma operação de desvio de dinheiro em favor do PTB. O pobre-diabo, que colaborou ativamente com o inquérito da PF, não há de ter fabricado a informação de que Sílvio Pereira apadrinhara Medeiros. Se tiverem fundamento as suspeitas levantadas pelos federais de uma segunda gangue nos Correios, esta do PT, a conexão Medeiros-Silvinho será uma hipótese de todo verossímil.
A polícia indiciou oito pessoas, a começar do denunciador do mensalão, Roberto Jefferson, este por formação de quadrilha. A propósito, de há muito que não paira dúvida sobre o que o levou a execrar o PT e, em especial, o seu homem forte, à época, José Dirceu - além de envolver o presidente Lula, a quem ele próprio teria alertado para o esquema de pagamento de mesada a deputados da base governista. A motivação foi dar o troco pela perda do feudo no serviço postal depois da denúncia dos delitos tidos como notória razão de ser do enfeudamento. As aves de rapina na ECT investiram sobre contratos comerciais somando perto de R$ 8 bilhões. A parte que cabia ao PTB, de acordo com o relatório, variava de 3% a 5% de cada negócio. Como seria de esperar, o argumento de Jefferson para defender-se é o de que o seu indiciamento é infundado, porque ele não pode responder pelos atos dos funcionários que apadrinhara.
Para determinar o seu exato alcance, a partir do que emergiu na investigação, a PF pediu à Justiça autorização para a abertura de 10 outros inquéritos. Se os responsáveis pelas apurações conseguirem confirmar tudo o que por enquanto não passa de indícios - a exemplo do suposto bônus de R$ 250 mil pago ao PTB pela Fiat, em retribuição à suposta venda superfaturada de mil veículos aos Correios -, o vasto histórico da corrupção na esfera pública ganhará um caso de livro de texto. Descreve bem a realidade a conclusão do relatório de que "alguns setores do Estado tendem a manter bom relacionamento com determinados grupos criminosos, visando a angariar influência em determinados locais. Como nem todo tipo de crime organizado tem controle territorial, sua aproximação com o Estado se dará de outra forma, ou seja, através da corrupção".