Um fim de semana sombrio, mas calmo, no mercado mundial, com novos indicadores apontando para uma desaceleração mais acentuada nas principais economias. Nos EUA, as vendas no varejo registraram, em dezembro, o pior resultado em cinco anos e os estoques aumentaram, revelando recuo nas compras. Muitas lojas já anunciaram demissões e fechamento de filiais, enquanto forçam as vendas por internet. A rede Wall Mart, utilizada como indicador de demanda, informou na sexta-feira que suas vendas em janeiro, anualizadas, tiveram o menor crescimento em 30 anos, de apenas 1,4%.
Mas não é só isso. Os BCs americano e europeu manifestaram nova preocupação com a inflação. Ben Bernanke, do BC dos EUA, não afasta a idéia de mais um corte no juro nos EUA, menor, porém, pois tem menos espaço para agir. Ninguém no mercado fala mais no 0,75 ponto porcentual que se acredita ser necessário.
Neste fim de semana, a voz destoante foi de Janet Yellen, presidente do Fed de São Francisco. Ela defende mais um corte substantivo de juro porque, argumenta, a queda do mercado imobiliário, a turbulência financeira e o mercado de trabalho mais desaquecido projetam um crescimento modesto da inflação básica. "Prevejo um leve crescimento, mas vamos escapar da recessão nos próximos trimestres", diz ela, solitária, mas tem acertado muito.
TRICHET DIZ NÃO
Por seu lado, o presidente do BC Europeu, Jean-Claude Trichet, afirmou que não vai seguir a política fiscal do governo americano, que vai pôr nas mãos dos consumidores cheques de US$ 600 a US$ 1.600 para que gastem mais. Nada disso, disse ele. Não funciona na Europa.
O BCE não só não reduziu os juros na reunião desta semana como condena todo gasto suplementar que aumente o endividamento interno e o déficit fiscal acima do fixado. E isso apesar de os indicadores mostrarem que a economia da eurozona está em rápida desaceleração.
Em ultima previsão, concluída há dias, o FMI estima que o PIB da eurozona deve recuar de 2,6% em 2007 para apenas 1,6% neste ano em conseqüência dos efeitos da crise financeira na Europa e do desaquecimento da economia mundial. Os mais pessimistas já falavam em risco de estagflação, ou seja, estagnação econômica com inflação. Isso fica por conta do exagero. A inflação na Europa, em 3,3%, e nos EUA, em 4,2%, estão longe de sair de controle. Preocupa, mas não assusta.
Um novo corte do juro talvez provoque uma pressão menor sobre a demanda, pois os sinais indicam que o consumidor americano está mais cauteloso. Pesquisa feita pela Universidade de Michigan com a Reuters mostra que, mesmo beneficiando pelo juro, ele está pensando em poupar mais. A universidade estima até que haverá uma recessão mais demorada do que se imagina. "Não prevemos uma recessão normal; após passar, seus efeitos vão durar mais que uma recessão típica", diz Richard Conténs, de Michigan.
O que temos nesta semana é um quadro que ficou um pouco mais complicado de retração e inflação, porém longe ainda de indicarem recessão ou estagflação. Os BCs estão diante de um dilema cada vez mais claro entre as duas ameaças; o americano e o britânico já fizeram a opção pelo crescimento, mas o europeu hesita e teima, ainda. E a União Européia tem praticamente o mesmo peso econômico dos EUA. Devemos ter uma semana de decisões difíceis, que certamente vão influenciar também o Brasil.
AQUI, É O JURO SIM
No Brasil, o dilema é o mesmo, embora menos agudo. O BC ainda pode adiar o aumento dos juros, mas igualmente não conta com muita margem de manobra. Ao contrário do americano e do europeu, o consumidor brasileiro reage menos à alta dos preços, tem menos flexibilidades diante de pressões inflacionarias.
Explico: na Europa e nos EUA, o consumidor reage imediatamente a qualquer aumento de preço, por mais leve que seja, comprando menos. Vi claramente isso nos anos em que vivi na França e na Grã-Bretanha; aqui, nosso consumidor continua comprando mesmo quando os preços sobem. É resquício da memória inflacionária. Temos menos medo da inflação do que eles porque ela foi disfarçada pela correção monetária; os rendimentos falsamente "subiam" com os preços.
Mas, agora, numa espécie de "compensação" para a inflação, há um elemento novo delicado: o crédito muito alongado; quando o preço de algum produto - não os perecíveis - sobe, nós passamos a comprar e a pagar a prazo, mesmo que o preço final seja até mais do dobro do valor à vista. Aqui, o que importa não é o preço final, mas quanto se vai pagar por mês.
É a psicologia do brasileiro, que não tem tanto medo da inflação, que punia mais os de menor renda. Por isso estamos calmos com inflação de 4% e a Europa se apavora quando ela chega a 3,3%. Aqui, há gente no governo - leia-se Ipea, entre outros - que até a aceita para que a economia cresça mais!
Daí a dificuldade do BC em usar a política monetária para combatê-la. Só que, ultimamente, Meireles tem sido mais ousado em não fazer concessões. Sabe que o nosso consumidor reage menos a qualquer aumento. Por isso aqui será mais difícil combater a inflação.
*E-mail - at@attglobal.net
Entrevista:O Estado inteligente
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