Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 10, 2006

De cigarras e formigas - Luiz Carlos Mendonça de Barros



Folha de S. Paulo
10/11/2006

É preciso deixar os churrascos e começar a viver a dificuldade de um inverno com vistas a uma nova estação amena

A ECONOMIA brasileira vem recebendo, desde o primeiro ano da era Lula, um forte estímulo externo. A entrada vigorosa da China na cena da economia global provocou uma elevação nos preços das principais commodities exportadas pelo Brasil. Com isso, nossas exportações cresceram de forma significativa, criando pela primeira vez na história recente um excedente estrutural de dólares na balança de pagamentos. Além disso, a economia mundial entrou em um período de crescimento muito acima da média. Essa situação de bonança no mundo fez com que todo o trabalho de modernização e racionalidade econômica realizado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, nos seus oito anos de mandato, frutificasse.
Como na fábula de La Fontaine, todo o esforço de um governo que olhava para o futuro permitiu que saíssemos do duro inverno dos anos 90 do século passado e passássemos a gozar do clima mais ameno de uma merecida primavera econômica. Lula até começou bem, assustado que estava em meio à terrível tempestade do segundo semestre de 2002, causada pelo medo que as antigas idéias do PT provocavam nos agentes econômicos. Guiado por bons conselhos de Palocci, e sob risco de terminar seu mandato antes de ele começar, segurou seus ímpetos e manteve por algum tempo o comportamento da formiga de La Fontaine.
Como acontece com freqüência na história, o presidente Lula colheu os frutos do trabalho árduo da formiga durante o inverno anterior e tem vivido os últimos tempos cantando e bailando como a cigarra. Mas, ao invés de reconhecer e agradecer pelo esforço dos anos de chumbo de seu antecessor, partiu para desqualificá-lo, ao mesmo tempo em que cobrava de Alckmin na campanha o reconhecimento dos escassos méritos de sua gestão. E, ao fazer isso, corre o risco de não se preparar para o inverno que sempre sucede o verão da alegria e descontração. Mas, diferentemente das estações, os ciclos econômicos não têm a rigidez dos períodos regulados pelos movimentos do Sol. Os ciclos de tempo favorável e dias difíceis em uma economia de mercado têm duração variável e de difícil previsão.
Parece-me que esse verão econômico no Brasil pode durar até o fim do mandato de nosso presidente-cigarra. O excedente de dólares na economia deve garantir por bastante tempo uma taxa de câmbio valorizada e com baixíssima volatilidade. Com isso, a inflação deve permanecer baixa e sob controle, permitindo ao Banco Central dar continuidade ao processo de redução dos juros. O presidente Lula aprendeu, com seu antigo ministro da Fazenda, que isso é que dá suporte à sua popularidade.
Mas não deu tempo para que Palocci continuasse sua lição de economia para lidar com um problema que, mesmo nesse clima delicioso do verão que vive o governo, permanece como uma ameaça terrível: nossa incapacidade de acelerar o crescimento econômico.
Nos últimos 15 anos, o crescimento potencial de nossa economia estacionou nos medíocres 2,5% anuais que temos hoje. Isso quer dizer que a renda per capita do brasileiro dobra a cada período de 70 anos. É muito pouco e faz com que o Brasil ande para trás quando comparado com os outros países, mesmo no mundo desenvolvido. Por isso, hoje a questão central do debate econômico é por que não conseguimos crescer mais.
E a conclusão que salta à vista do analista cuidadoso é que precisamos voltar ao período da formiga, deixando a boa vida de cigarra de lado. Mas, para que o país volte ao trabalho duro e deixe de gastar os dólares que nos sobram em consumo e importações, é preciso apertar os cintos do gasto público e dar fim à leniência desrespeitosa com que o governo trata o dinheiro dos brasileiros pagadores de impostos. Precisamos ainda reformar o ambiente de negócios para permitir que o setor privado, e não o setor público, assuma a liderança na geração de riquezas na economia. Precisamos reduzir os gastos do governo em consumo de forma a permitir um aumento dos investimentos em infra-estrutura e iniciar um processo contínuo de redução nos impostos.
Em outras palavras, é preciso deixar o violão e os churrascos de lado e começar a viver as dificuldades de um inverno sofrido com vistas a uma nova estação de clima ameno e agradável, que se seguirá a esse período de esforço e sacrifícios. Mas como o presidente Lula pode liderar esse processo depois dos resultados das eleições de outubro?

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