o globo
Em meio ao turbilhão de uma crise política sem precedentes, é música para os ouvidos dos governistas a denúncia envolvendo políticos ligados a partidos que estão na oposição, por menor que seja a relação deles com os delitos cometidos. Nos últimos dias, a prisão do deputado-pastor do PFL com várias malas de dinheiro, as camisetas dos Correios usadas por candidatos do PPS e a relação, mesmo que indireta e difusa, de políticos tucanos com o lobista Marcos Valério, têm feito as delícias do Palácio do Planalto, onde, mesmo antes da pesquisa CNT/Sensus divulgada anteontem, já havia pesquisas qualitativas que mostravam que a figura do presidente Lula estava preservada dos escândalos, embora o PT, o partido do governo, estivesse mortalmente ferido.
A chave da "blindagem" de Lula estaria na resposta de mais de 65% dos pesquisados dizendo que a corrupção é coisa antiga, e na convicção de que o presidente não tem nada a ver diretamente com os casos denunciados. O parâmetro para esse estado de espírito, segundo as análises de assessores do Palácio do Planalto, é o caso envolvendo o ex-presidente Collor, atingido pessoalmente pelas acusações de corrupção comandadas por seu tesoureiro PC Farias.
Ao contrário, no caso de hoje não há ninguém acusando diretamente Lula, e mesmo a oposição procura separá-lo do PT, numa tentativa de debilitá-lo politicamente sem removê-lo do governo. Querem, como definiu o ministro Ciro Gomes, deixar Lula "tetraplégico" politicamente, para derrotá-lo nas urnas em 2006.
Em boa hora, o PSDB tirou o corpo fora da proposta de que Lula desista por conta própria da reeleição, como premissa para um acordo político que suplante a crise. Essa proposta politicamente indecente dá à luta política que ora se trava um caráter imediatista que somente apequena o combate à rede de corrupção que está implantada nas estatais e no Congresso. Ou o presidente está a par do que acontecia, e merece ser punido com a perda de mandato sem acordos políticos espúrios, ou desconhecia os procedimentos de seus ministros e de seu partido, e merece ser derrotado nas urnas por incapacidade de exercer o cargo.
Como política não é matemática, a popularidade de Lula adiciona uma terceira hipótese: a de que ele continue com avaliação positiva pelo eleitorado, defendido das acusações a seu governo e a seu partido, e se reeleja, como indicam as pesquisas de opinião hoje, mesmo com o apoio de um PT fragilizado e de um PMDB rachado. Esse, aliás, é o cenário com que trabalha hoje o Palácio do Planalto, certo de que o presidente Lula continuará blindado mesmo que essa crise prossiga sem trégua. Nesse caso, "estaremos em uma enrascada", admite um assessor direto do presidente.
Diante de um caso semelhante ao do próprio Collor, que se elegeu pelo PRN, um partido quase inexistente, e chegou ao poder sem força parlamentar, mas com uma força política insuperável que levou de roldão o Congresso nos primeiros tempos de governo.
Esse cenário, porém, tem dificuldades para se tornar realidade, a começar pela "blindagem" do presidente Lula. Os políticos oposicionistas, de maneira geral, não acreditam que a popularidade do presidente seja tão alta quanto a pesquisa do CNT/Sensus mostra, e já há boatos de que novas pesquisas apontarão uma realidade mais dura nos próximos dias.
Mais ainda: consideram difícil que a imagem do presidente não fique abalada com a sucessão de denúncias, que, mesmo que não anulem a possibilidade de concorrer à reeleição, farão com que chegue à campanha bastante avariado.
A melhor das hipóteses para os governistas, a de que Lula, com incomparável capacidade de resistência, consiga se reeleger apesar dos pesares, embute em si uma dificuldade política extraordinária: o apoio no Congresso para esse segundo mandato. O governo considera que, mesmo não tendo conseguido o apoio integral do PMDB, a reforma política serviu para dar a sensação de que a maioria parlamentar ainda está à mão, o que é um símbolo de poder político importante para um governo que é alvo de investigações e acusações em CPIs no Congresso.
No entanto, em 2002, no auge do desgaste tucano, Lula teve que ir para o segundo turno contra Serra e, apesar de ter tido uma vitória tranqüila, o PT saiu das urnas com apenas 17% da Câmara, embora sendo a maior bancada. O que acontecerá num hipotético segundo mandato, com o presidente desgastado e o PT desacreditado?
Se hoje a hipótese de Lula governar apenas com os chamados "movimentos sociais" é aventada como uma alternativa política, mas parece mais uma bravata do que uma possibilidade real, mais impossível ainda o será para um presidente enfraquecido, que chegará ao segundo mandato às custas de restos de popularidade em regiões do país e em redutos eleitorais que nunca foram os seus.
Lula e o PT nasceram e cresceram junto ao eleitorado dos grandes centros urbanos e aos formadores de opinião, ganhando finalmente o apoio da classe média nas últimas eleições. Desde as eleições municipais, o perfil do eleitorado de Lula e do PT vem se deslocando para os grotões, graças a medidas populistas como o Bolsa Família, e perdendo os grandes centros urbanos para a oposição.
Para recuperar a credibilidade junto a seu público, o PT, por sua vez, terá que fazer uma "faxina ética" para valer, e acentuar seu perfil de esquerda, o que é incompatível com o pragmatismo da política econômica adotada pelo governo Lula. E o PT sem Lula será sempre um partido sem competitividade em nível nacional, embora possa continuar sendo uma força regional importante.
Entrevista:O Estado inteligente
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