"Os alunos de professores que cursaram
magistério ou pedagogia têm notas piores do
que os de professores que possuem diploma
superior em outra carreira. Aprende mais
quem aprende com quem não é professor?"
Se consultarmos um médico bem formado, uma vez feito o diagnóstico, ele vai decidir a terapia com base na experiência passada com pessoas que portavam a mesma síndrome e tomaram diferentes remédios. Será receitada aquela droga cujas estatísticas de sucesso são maiores do que as alternativas disponíveis. Decide a evidência, e não a palavra do luminar ou a tradição. É a medicina baseada na evidência.
Seria de imaginar que, na sala de aula, o critério fosse o mesmo. A evidência do que deu mais certo orientaria a escolha do método de alfabetizar, do livro ou da forma de ensinar. Parece lógico, funciona na medicina. Mas o professor não busca a evidência acumulada para orientar sua sala de aula. Uma possível explicação para isso é que a evidência científica é incontrolável e pode revelar verdades desagradáveis.
Ilustração Ale Setti |
Com o auxílio de João Batista de Oliveira, exploro abaixo algumas constatações constrangedoras e penosas. O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é uma prova tecnicamente bem-feita e impecavelmente aplicada. Mostra o nível de aprendizado dos alunos a ele submetidos. Tomando estudantes da 4ª série do ensino fundamental e tabulando pelo perfil dos professores que eles tiveram, podemos calcular a média para cada subgrupo. Essa média indica quanto aprenderam os alunos que têm mestres com este ou aquele perfil de formação. Os alunos de professores que cursaram magistério ou pedagogia têm notas piores do que os de professores que possuem diploma superior em outra carreira. Aprende mais quem aprende com quem não é professor? Não sabemos ao certo. Se for verdade, por que não facilitamos aos que possuem outros diplomas de curso superior o acesso ao magistério? O Saeb apenas dá pistas. É preciso aprofundar a análise, com dados complementares. Temos muitas estatísticas, temos gente qualificada para analisá-las com a sofisticação requerida. Precisamos saber mais e com mais precisão. O Saeb mostra outras pistas interessantes. Buscando-se os fatores que mais aumentam o rendimento dos alunos, encontramos os seguintes:
• O maior diferencial de rendimento está ligado ao cumprimento do currículo previsto. Se o professor não ensina, o aluno não tem chance de aprender. Parece óbvio, mas o mau uso do tempo é endêmico.
• Um dos fatores mais correlacionados com bons resultados é o uso regular de livros e de outros recursos da biblioteca. Diante disso, causa espanto ver menos de 50% das escolas com bibliotecas.
• Aprendem mais os alunos de professores que consideram ótimo o livro didático adotado. Contudo, em apenas metade das classes todos os estudantes possuem livros e só a metade dos mestres recebe do MEC o livro solicitado.
• Os professores contratados via CLT têm alunos com mais alto rendimento. São melhores mestres do que os estatutários e os contratados em regime precário? Por quê? É o regime ou têm alunos diferentes?
• Os alunos dos professores que fizeram cursos de capacitação, abundantemente oferecidos pelo país afora, não têm notas melhores. Serão inúteis tais cursos?
O Saeb não é diagnóstico preciso nem terapia, apenas um termômetro. Mostra a existência de um problema e dá pistas para sua identificação em estudos subseqüentes, com ferramentas mais elaboradas. Mas, se acreditamos na educação baseada em evidência, não podemos ignorar o sinal de alarme, sugerindo que algo vai mal. O aluno deve aprender no livro. Mas a primeira cartilha para avaliar os sistemas educativos é o Saeb. Todavia, como está denunciando verdades particularmente desagradáveis, não podemos esperar que os prejudicados tomem iniciativas. Nada vai acontecer sem a intervenção de outras forças vivas da sociedade.
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