Cardeais e parlamentares petistas estão envolvidos, bem como o séquito de aliados que se beneficiou do "mensalão". O PSDB e o PFL, que procuravam encenar o papel de vestais, já não podem aparentar que desconheciam por completo os serviços prestados por Marcos Valério. Por fim, as empresas que teriam recorrido aos préstimos do publicitário mineiro para remeter recursos "não-contabilizados" ao mundo político sabem que seus nomes cedo ou tarde devem aparecer.
Com o caminhar das investigações e a publicação de novas descobertas pela imprensa vai aumentando o número dos que em maior ou menor grau precisam apresentar explicações à nação. Acrescente-se a esse cenário o risco de turbulências econômicas e os temores quanto aos desdobramentos de uma eventual rachadura na "blindagem" do presidente Lula e talvez já tenhamos motivos suficientes para crer que a crise política poderá desaguar num daqueles conhecidos "acordões" costurados no país para reduzir danos.
Tratando-se de acontecimentos tão graves, punições políticas serão inevitáveis -e algum relatório minimamente fiel aos fatos terá de ser encaminhado ao Ministério Público. Mas os sinais de que se ensaia um pacto acomodatício já são nítidos.
Símbolo mais alto da oposição, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso -sempre associado nas teses conspiratórias às "elites" que desejariam desestabilizar o presidente Lula- já considerou "totalmente precipitado" especular sobre um eventual processo de impeachment, no que foi acompanhado pelo prefeito de São Paulo, José Serra.
Embora sempre tenha preferido um Lula enfraquecido no poder a alimentar movimentações para destituí-lo, o PSDB chegou a ensaiar ataques virulentos, talvez por constatar, como revelaram as pesquisas, que o adversário consegue manter boas reservas de energia. Mas, coincidência ou não, o partido voltou a um tom mais cauteloso depois das evidências de que tucanos mineiros também haviam se servido de Valério.
Ao afirmar que seu governo "já é história" e que o "foco" das investigações deve se concentrar na administração petista, FHC, a quem se atribuiu a famosa frase "esqueçam o que eu escrevi", praticamente pediu para esquecerem que governou.
É de fato delicada a situação em que se encontra o país. De um lado, tem-se um Executivo diminuído e desorientado, sem nenhuma capacidade de liderança política. De outro, um Legislativo contaminado pelos desvios e com a credibilidade no chão. Menos chamuscado, resta o Poder Judiciário, que, na figura do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, vai encontrando a oportunidade de exercer algum papel "moderador".
É claro que os responsáveis pela condução da política nacional precisam agir com maturidade, evitando que os acontecimentos degenerem em radicalizações e rupturas casuísticas, como a proposta de antecipar eleições. Mas isso não significa que a melhor saída para a crise se encontre num conluio da classe política para entregar alguns anéis e salvar os dedos -como é costumeiro no Brasil.
Por mais espinhoso que se afigure um amplo processo de esclarecimento dos fatos e de punição dos numerosos envolvidos, é este o caminho a seguir. Ele se completaria com as indispensáveis reformas políticas, que não se confundem com o simulacro em tramitação no Congresso.
O país possui as instituições para enfrentar a crise. É preciso que elas cumpram o seu papel e, sem tergiversações, levem a nação a um patamar melhor. Não esqueçamos que é a própria credibilidade da democracia como um sistema capaz de impor controles à esfera pública e administrar conflitos que está em jogo.
Entrevista:O Estado inteligente
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