Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 31, 2005

Alberto Tamer Alca nunca existiu nem vai existir

Alca nunca existiu nem vai existir

Os Estados Unidos revelaram o peso político do seu protecionismo quando a Câmara dos Deputados aprovou, após intensa batalha, o acordo comercial com seis pequenos países da América Central (Cafta). Com isso, fica jogada para o ostracismo qualquer possibilidade de negociar o grande acordo das Américas, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Há duas conclusões para o Brasil:

1 - A Alca não lhes interessa, pois já tem num bloco só toda a América do Norte e Central, formando, com o México e o Canadá, o maior bloco econômico mundial, voltado de costas para a Europa e, embaixo, para o Brasil.

2 - Os EUA estão negociando isoladamente acordos bilaterais com países sul-americanos.

O que vimos foi uma revolta dos parlamentares a qualquer acordo comercial com qualquer país, pois, dizem os lobbies, roubará empregos americanos na agricultura e na indústria. Não querem fazer nenhuma concessão.

Os seis países do acordo (Guatemala, Nicarágua, Honduras, El Salvador, Costa Rica e República Dominicana), mesmo tendo uma economia insignificante, foram obrigados a restringir as exportações dos seus dois principais produtos (açúcar e têxteis), a só 1% do que os EUA importam.

E, mesmo assim, o acordo só passou com a intervenção pessoal de Bush, que foi pessoalmente ao Congresso para arrancar os 2 votos que faltavam. Ele tinha contra si os dois partidos, os agricultores e os industriais. As exportações dos países do Cafta representam hoje menos de 1% das importações americanas.

O que mais exportam são emigrantes para os EUA.

Este foi um dos principais argumentos de Bush para convencer alguns deputados. Eles são subdesenvolvidos e concentram suas economias em poucos produtos agrícolas. Açúcar e tecidos estão limitados ao máximo de 1% do que os EUA importam desses produtos. Isso pode não representar nada, mas foi suficiente para mobilizar o Congresso, que usou até o argumento da "segurança nacional".

Parecia uma guerra, em que estavam negociando um acordo com um poderoso competidor. E eram só os pobres vizinhos. "Vamos dar para eles nossos têxteis, o nosso aço. Vamos desistir das frutas. E agora vamos dar tudo o mais e depender de outros países para obtermos alimentos e segurança", clamava o deputado Charlie Melancon, cuja família há 225 anos produz açúcar na Louisiana.

Esse era o pensamento da maioria. Um único argumento que seria a favor foi levantado pelo deputado republicano Howard Coble. Muitos Estados estavam persuadidos pelo argumento de que o Cafta teria como objetivo aumentar a competição com a China.

A ALCA JÁ ERA

Por que dedicamos tanto espaço falando de um assunto que não nos deveria interessar? É que, pela primeira vez, o poder dos lobbies dos agricultores e industriais aparece com tanta clareza. Se num "acordozinho" sem importância arregimenta uma oposição tão forte, imaginem o resto...

Isso enterra qualquer idéia de um amplo acordo com a América do Sul. A Alca, já tão desgastada pela rejeição no Brasil, já era. Ou, melhor, não era porque nunca foi. E, em conseqüência, vamos ficar sem acesso ao mercado americano de US$ 11 trilhões, o que afastará investidores que pretendiam produzir aqui e vender nos EUA.

Eles têm agora a opção da América Central. A mão-de-obra lá, a matéria final, a proximidade física, via terrestre, com os EUA, tudo enfim é tão favorável para os novos "parceiros" americanos que o Brasil fica em terceiro lugar.

Terceiro porque em segundo lugar os EUA estão negociando pactos de livre comércio com outros países latino-americanos, deixando praticamente isolados o Brasil e a Venezuela. Estão negociando também com outros países estratégicos como Jordânia, Cingapura, Marrocos e a Austrália, feroz competidora do Brasil no mercado internacional.

Daí que teremos de ficar lutando palmo a palmo por um pequeno espaço que se encurta dia a dia, à medida que novos acordos são fechados. Esta não é mais só uma questão de comércio, mas de um relacionamento político que só nos interessa. Afinal no primeiro semestre tivemos um saldo comercial US$ 4,7 bilhões com os EUA, US$ 1 bilhão a mais do que no mesmo período do ano passado. Um resultado mesquinho. Entre janeiro e junho, exportamos só US$ 10,8 bilhões para o mercado americano.

Os Estados Unidos importaram no ano passado, entre mercadorias e serviços, US$ 1,5 trilhão e vendemos para eles US$ 20,3 bilhões. Pouco mais de 1%. Foi protecionismo que agora se revela com todas as suas garras? Sim e não.

Não porque, como lembrou outro dia o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa, cerca de 80% das importações dos manufaturados entram no mercado americano com tarifa zero ou próximo dela. Apesar de todo o protecionismo, o mercado americano é o mais aberto do mundo.

E não porque eles aplicam tarifas elevadas, "escandalosas", selecionando os produtos, principalmente agroindustriais, que mais importam.

A conclusão é que eles são menos protecionistas do que a Europa, mas o protecionismo está aumentando com a exacerbação política. Mesmo assim, não deixa de ser ridículo exportarmos só US$ 20 bilhões para um país que importa US$ 1,5 trilhão.

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