O Globo
Carro se blinda; economia, não. A economia brasileira tem hoje indicadores muito melhores do que ao enfrentar qualquer uma das crises externas e internas dos últimos anos, mas não está inatingível, por definição. No mundo dos capitais voláteis e das intensas ligações financeiras, nenhum país está numa redoma de vidro. Uma economia que precisa de 19,75% de taxas de juros em período de bonança, para financiar uma dívida que é metade do PIB, não é uma economia normal.
Aprendemos com as crises dos anos 90. Cada crise, em qualquer país do mundo, nos atingia: Coréia, Rússia, México. Foram crises seqüenciais. Naquele momento, o Brasil tinha um enorme déficit em transações correntes e o câmbio fixo. Depois, o país flutuou o câmbio e transformou o déficit em superávit. Os dados são realmente incríveis.
O Brasil praticamente dobrou o valor das exportações desde janeiro de 2003. Naquele mês, as exportações brasileiras em 12 meses estavam em US$ 61 bilhões; no mês passado, a mesma conta apontava US$ 106 bilhões e a previsão do Departamento de Pesquisas e Estudos do Bradesco é que termine o ano em US$ 112 bilhões.
O superávit comercial pode fechar 2005 acima de US$ 40 bilhões. O Brasil está no terceiro ano seguinte de superávit em transações correntes, deve fechar o ano com US$ 13 bilhões a mais nessa conta que já teve, em 1998, um déficit de US$ 38 bilhões.
O país acumulou reservas, pré-pagou dívidas com o FMI e trocou parte dos títulos velhos da época do calote externo dos anos 80 por novos papéis sem esse pecado original. Na troca, terá uma redução do pagamento de amortizações de US$ 1,5 bilhão nos próximos dois anos. Na quinta-feira, o Tesouro anunciou que vai pagar 20% do principal da dívida externa que vencerá nos próximos dois anos com reservas e que vai começar a captar este ano os US$ 9 bilhões para os pagamentos da dívida externa em 2006 e 2007.
A inflação caiu bastante nos últimos meses, principalmente nas medidas que refletem mais a queda do dólar. O IGP-M, com o dado de julho, está com uma inflação acumulada no ano de 1,4%, apenas. Isso ajuda a conter as tarifas corrigidas por esse índice, que pode terminar o ano em inacreditáveis 3%. O IPA-M está com deflação. O mercado está dividido sobre como interpretar os hieróglifos do Banco Central sobre a próxima reunião do Copom, mas é evidente que a tendência dos juros é de queda; mais dia, menos dia. Até o inventor do Consenso de Washington, John Williamson, avisou que os juros brasileiros são altos demais. Não falta mais ninguém, exceto o BC.
Há muita notícia boa. Elas foram conseguidas pela persistência em um caminho escolhido pelo governo Fernando Henrique e mantido no governo Lula. O presidente, vez por outra, expressa o sentimento que manifestou esta semana em Porto Alegre: "O que incomoda muita gente é que não fizemos nenhuma loucura. Eles imaginavam que este país iria quebrar em 2003, mas não quebrou. O acerto no nosso comportamento incomoda muita gente."
Tolice. A ninguém interessa o fracasso da economia, porque ninguém ganha com um país em frangalhos. Da mesma forma que Lula se aproveitou dos avanços conseguidos no governo Fernando Henrique, o próximo governo vai se aproveitar de decisões tomadas hoje. O que um planta, o outro colhe e, quando é hora da colheita, só especialistas sabem separar os grãos e dizer a quem eles se devem. Normalmente, os bons resultados, independentemente de quando tenham sido plantados, favorecem quem está no poder.
Um fator fora do controle de qualquer governante brasileiro — e que ajudou muito o governo Lula — é a economia internacional. Ela cresce, sem crises, com apenas umas nuvens no horizonte e com uma impressionante chuva de capitais atrás de bons lucros. Essa montanha de dólares visitando o país costuma mascarar as preocupações do mercado financeiro. A semana que começou com forte queda da bolsa e disparada do dólar reverteu todos os números ruins nos dias seguintes e terminou com um bom balanço. Isso não reflete a diferença de tom das análises dos bancos, dos relatórios, das reuniões telefônicas, das conversas com consultores. As preocupações estão aumentando e se dissemina no exterior a impressão de que a crise é mais grave do que se imaginava a princípio. O mercado financeiro é apenas a parte mais visível da economia. O que preocupa é o que acontece na economia real. Algumas empresas resolveram tocar os investimentos, como contamos ontem aqui na coluna, mas os dados agregados não deixam dúvida de que o investimento está abaixo do necessário para o crescimento sustentado.
Não é possível blindar a economia. Os acertos ajudam a diminuir os efeitos das crises, mas não há um momento em que se pode dizer que nada atravessa a tênue fronteira entre política e economia. O ponto mais vulnerável da economia ainda é a dívida interna. Ela baixou um pouco, mas é muito alta e é a mais cara do mundo. Nenhum presidente do Banco Central pode dizer que os fundamentos são sólidos se considera que a taxa de juros necessária para financiar a dívida do Tesouro é de 14% real. Num mundo dos juros baixos, como os atuais, a taxa de juros brasileira parece um aleijão. E é. Enquanto estiver nesse nível, estará nos avisando que é cedo ainda para comemorações.
Entrevista:O Estado inteligente
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