Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 25, 2005

O risco de virar um clone Ricardo Noblat

(Artigo publicado no Correio Braziliense em 13/09/2002 - a menos de um mês do primeiro turno da eleição presidencial)

 

O processo eleitoral ora em curso no Brasil desafia a fé em Luiz Inácio Lula da Silva do ascético e piedoso religioso espanhol Pedro Casaldáliga, titular há 31 anos da diocese de São Félix do Araguaia, no interior do Mato Grosso.

 

Um dos últimos exemplares de uma raça quase extinta, a dos chamados "bispos vermelhos", ele reza todos os dias para que Lula não cometa o mesmo pecado que em 1994 desviou Fernando Henrique Cardoso do caminho do céu - o pecado da soberba.

 

Como sociólogo e depois político, Fernando Henrique fez carreira pela esquerda, ganhou seu primeiro mandato presidencial com o apoio da direita, mas garantiu que no seu governo mandaria ele, e somente ele.

 

Não mandaria Antonio Carlos Magalhães, por exemplo. Nem os banqueiros. Nem a Federação das Indústrias de São Paulo. Mandaria ele, o presidente. E que por isso legaria ao seu sucessor um país mais próspero, mais justo e mais igualitário.

 

(A esquerda do PFL mandaria talvez só um pouquinho. Mas foi dona Ruth Cardoso, e não o marido dela, quem descobriu o PFL de esquerda.)

 

O inventário do primeiro e do segundo mandato de Fernando Henrique registrará que o PFL autêntico e seus assemelhados mandaram no governo, e não foi pouco.

 

Os industriais de São Paulo também mandaram. Mas foram os bancos que mandaram de verdade. Eles não têm do que se queixar. Registraram lucros fabulosos nos últimos oito anos. Acabaram plenamente recompensados pela contribuição que deram para os gastos das duas campanhas de Fernando Henrique.

 

Dom Pedro pediu votos para Lula e lhe deu o seu em 1989, 1994 e 1998. Sofreu com as derrotas, mas não se arrependeu do que fez. Está de novo empenhado em eleger Lula presidente. Mas admite, como todo bom pastor atento ao seu rebanho, que anda preocupado com o jeito de ovelha desgarrada assumido por Lula.

 

Em vez do terno bem cortado comprado nas vizinhanças da Daslu, preferiria vê-lo ainda metido em um macacão sujo de graxa. A versão "Lulinha paz e amor" o deixa desconfiado.

Toda maneira de amar vale a pena? Todas as concessões devem ser feitas para que se ganhe uma eleição?

 

Fernando Henrique fez todas confiando na sua capacidade superior de lidar com os contrários, de saber contornar situações difíceis e de ter energia e autoridade suficientes para impor sua vontade. O dito não foi feito. Deu no que deu.

 

O PFL dessa vez só não está com Lula porque ele o PFL, é claro não quis. Da parte de Lula não haveria incômodo. Como ele poderia se incomodar se os bispos da Igreja Universal estão ao seu lado, se Orestes Quércia está ao seu lado, se o ex-presidente José Sarney está ao seu lado, se só não está ao seu lado quem não quis estar?

 

Num eventual segundo turno contra José Serra, Antonio Carlos Magalhães já avisou que estará com Lula. "Quem quiser votar em mim pode votar", repete o candidato a todo instante. Como se com alguns votos ele terá compromissos, mas com outros, não. E logo com quais...

 

O discurso do novo Lula tornou-se propositadamente vago, perdeu qualquer coloração ideológica e trocou a indignação pela piedade. Antigamente, ele investia contra o modelo econômico reprodutor da miséria. Hoje, ele diz apenas que é preciso mudar o modelo, não diz qual modelo quer pôr no lugar do atual e sugere propostas tópicas.

 

Defende a criação de 10 milhões de novos empregos nos próximos quatro anos. Mas se nega a dizer que irá criá-los.

Pode-se alegar que ele está sendo mais prudente ou menos irresponsável do que Serra.

 

Esse jura por todos os santos que criará, sim, oito milhões de novos empregos até 2006. E finge que demonstra à exaustão como isso será possível. Mas Lula está também enganando o eleitor quando defende uma coisa e não se compromete com essa coisa. Ora, se é para ser assim, pelo menos a promessa dos oito milhões de empregos é mais musical, colorida e rende salário temporário para alguns artistas.

 

Como será a reforma agrária caso Lula se eleja? Será pacífica, e é bom que seja, e em pouco será diferente da reforma agrária do Serra. Como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva combaterá a violência urbana? Como o presidente José Serra a combaterá. Sem tirar nem pôr. Como um governo Lula tratará a delicada questão da integração econômica dos países da América do Sul? Da mesma forma que a tratará um governo Serra. Mas isso não rende votos. Nem bons programas de TV.

 

A criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) está na pauta de todos os países da região e deu ensejo outro dia a um plebiscito informal promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e outras entidades. O PT recusou-se a se envolver com o assunto. "Estamos a poucos dias de ganhar o governo e não posso brincar de fazer plebiscito", desculpou-se Lula. Quando é obrigado a falar da Alca, o candidato emprega velhos clichês, disfarça e foge.

 

Se Serra candidato faz oposição ao governo do qual fez parte e que o apóia, Lula candidato sente-se dispensado de fazer oposição ao governo a que sempre se opôs e também às demais forças políticas e econômicas que barraram sua ascensão ao poder até aqui.

 

O rei francês Luiz XIV disse que o Estado era ele. Lula diz que a oposição é ele e espera que todos o reconheçam como tal. A História reconheceu Luiz XIV como um rei bem-sucedido. Luiz XVI foi quem perdeu a cabeça na guilhotina.

 

Lula não corre o risco de perder a dele porque não existe e nunca existiu guilhotina por essas bandas e a levar-se em conta a história do Brasil, ela aqui teria servido aos interesses dos reis, não do populacho. Mas Lula corre o risco de perder a eleição se ficar tão parecido com o candidato da realeza a ponto de o populacho preferir o original ao clone.

 

Dom Casaldáliga pode votar em um clone. Mas não acredita que um clone tenha vida longa e sadia, haja vista o exemplo da mansa ovelha Dolly."

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