Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 30, 2005

AUGUSTO NUNES :A animada turnê do candidato

jb


O presidente cancelou todos os compromissos agendados, abandonou o gabinete de trabalho e saiu por aí, no papel de candidato à reeleição. Foram sete dias de festa e discurseira. Em improvisos diários, falou mal de FH e bem de Lula, berrou bravatas, obviedades e tolices, festejou o progresso do Brasil, afirmou que a economia é sólida mas, paradoxalmente, vulnerável. Terminada a turnê, os brasileiros descobriram que o país onde Lula mora é muito melhor que o Brasil.

Figurino caprichado: jaleco no Rio









SEXTA-FEIRA, 22

A excursão começou com dois improvisos no Rio. "Tenho a exata noção de que não podemos deixar escapar nenhum culpado", reconheceu de manhã. Pareceu menos sóbrio depois do almoço: "Não vai ser a elite brasileira que vai fazer eu baixar a cabeça", esbravejou. Lembrou que os pais analfabetos geraram um filho imaculado: "Pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lições de ética, moral e de honestidade".

SÁBADO, 23

No ABC paulista, manjedoura política de Lula e do PT, o presidente esqueceu as elites golpistas. Em dois improvisos, embarcou na nostalgia e, de passagem, cutucou FH. "Continuo metalúrgico", jurou o ex-operário que não lida com tornos há 25 anos. "Para dirigir o país não é preciso diploma universitário, é preciso coração".

Aconselhados pelo coração, o presidente e o candidato evitam tratar de coisas tristes. Até hoje, Lula não contou quando e como soube da existência do mensalão, nem que medidas tomou – se é que tomou alguma. E finge não enxergar o pântano da corrupção que já engoliu R$ 4 bilhões.

DOMINGO, 24

Ainda no ABC, Lula revelou à platéia formada por motoristas de caminhão o nome do culpado pela decomposição das estradas: Fernando Henrique Cardoso, claro. "Herdei 38.000 quilômetros de estradas intransitáveis, nem trabalhos de manutenção eram feitos", lamuriou-se.

Que fazer? Lula pediu paciência. No início de 2006, as rodovias federais de São Paulo serão privatizadas. Até dezembro, sumirão os problemas restantes. Apesar da indigência financeira do Ministério dos Transportes, o candidato Lula jurou que, em um ano, o presidente Lula fará o que não fez em dois e meio.

SEGUNDA-FEIRA, 25

De volta a Brasília, Lula manteve- se à distância do Planalto. A turnê previa uma apresentação especial no aeroporto. O candidato apareceu em companhia do faxineiro Francisco Cavalcante, que devolveu ao dono o pacote com US$ 10.000 encontrado num banheiro. "Se tivéssemos 180 milhões de Franciscos, o dinheiro daria para fazer muito mais para o povo pobre", devaneou.

Mais simples e prático seria recuperar as fortunas roubadas do Brasil dos franciscos pela quadrilha dos companheiros de Lula.

TERÇA-FEIRA, 26

Uma pausa na turnê forçou o candidato a reassumir a Presidência, enfurnar-se no palácio e encarar tediosas miudezas. Alheio às ponderações de assessores, indicou Tércio de Barros para a presidência da Infraero. Nomeou mais problema: um inquérito investiga pilantragens ocorridas quando Tércio chefiava o Aeroporto de Cumbica.

Naquele dia, o lamaçal fora ampliado por detritos mineiros, respingara em Daniel Dantas e chegara à altura do pescoço do Amigo Zé. O silêncio declarou que Lula não tem nada com isso.

QUARTA-FEIRA, 27

De Brasília, Lula seguiu para o Rio Grande do Sul, escolhido para o encerramento da excursão: em dois dias, o candidato se exibiria em cinco cidades. O repertório deu preferência a antigos sucessos, como a decência dos pais analfabetos ("o único legado que tenho é vergonha na cara") e, claro, FH ("não adianta ser professor da Sorbonne"). Entre as poucas frases novas, uma merece destaque: "É um tal de diz-quediz- que eu não sei como se sentem. Eu me sinto indignado".

A indignação não inibiu o candidato, que comemorou o nascimento de um novo Brasil. A economia vai bem, a inflação está sob controle, o desemprego caiu, as exportações subiram, os programas sociais vão liquidando a pobreza, a Polícia Federal acumula triunfos na caça aos corruptos. "Vamos punir quem errou e inocentar quem não cometeu irregularidades", declamou.

QUINTA-FEIRA, 28

No interior gaúcho, o tom do candidato mudou: "A economia do país é vulnerável", advertiu. Convencido de que o alerta conterá a drenagem do pântano, voltou sorrindo ao Planalto.

Sempre aos gritos, a senadora Ideli Salvatti, catarinense e petista, vive festejando o sucesso do governo no impenitente combate à corrupção. ''A Polícia Federal realizou quase 150 operações e fez mais de 1.500 prisões'', berra Ideli. O Cabôco gostou dos números, mas acha que faltam outros. Quantos delinqüentes aguardam o julgamento em liberdade? Quantos foram julgados? Quantos foram condenados?

Um artista em dois papéis

Para impedir que a CPI do Mensalão invada campos minados, a maioria governista no Legislativo assumiu o comando da CPI do Mensalão. A presidência ficou com o senador Amir Lando, ministro da Previdência por um tempo ligeiramente superior ao consumido por namoro de motel. O relator, quem diria, será Ibrahim Abi-Ackel, ministro da Justiça do governo Figueiredo (à esq.).

Hoje no PP, Abi-Ackel foi incensado, quem diria, pelo senador Aloizio Mercadante. "É um deputado acima de qualquer suspeita", disse o mais vistoso bigode do PT. No dia seguinte, Abi-Ackel foi incorporado à turma do mensalão. Intimado pela CPI, vai protagonizar um espetáculo sem precedentes. O relator Abi- Ackel fará as perguntas. O deputado Abi- Ackel dará as respostas. É o Brasil.

Um banco que parece gente

O Banco Rural é estranho até no nome: age nas grandes cidades, nunca faz negócios no campo. A julgar pelo noticiário, não tem donos nem diretores. Só tem funcionários, que obedecem ao código da irresponsabilidade perdulária. Quem mandou agir assim? O Banco Central. A instituição até parece gente como a gente. Só que bem mais intrigante que a gente.

Senhor do próprio destino, o banco faz e desfaz. Concede empréstimos milionários sem exigir garantias. Dispensa até assinaturas: bastam garranchos num papel. Entrega pacotes de dinheiro vivo a desconhecidos. Não é preciso abrir contas para deslocar boladas de um guichê para outro. Abastece o caixa dois de partidos e candidatos. Promove reuniões com ministros e ganha favores do governo.

Se a CPI intimá-lo, o banco será representado pela logomarca. Decerto sabe falar.

Uma taça para o impenetrável

Ao analisar a crise política em artigo publicado na Folha de S.Paulo, o prefeito Cesar Maia viajou bonito. Leiam o trecho que levou a taça:

''O sistema político brasileiro - e aqui quero entender o Estado em todas as suas vertentes - se metrossexualiza nas eleições sucessivas. Não muda.''

Cesar Maia talvez ficasse menos impenetrável se escrevesse em sânscrito.

Homem certo no lugar certo

Em meados de 2002, com o patrocínio do Ministério da Justiça, a Polícia Federal lançou uma inventiva promoção: ''Conheça o Brasil com Fernandinho Beira-Mar''. Os sherloques premiados viajaram pelos céus do Brasil em busca de hospedagem para o superbandido. O passeio terminou em São Paulo, que engaiolou Beira-Mar numa prisão de segurança máxima. Um juiz misericordioso decidiu que ninguém pode sofrer tal castigo por mais de dois anos. Nem um meliante que gosta de ouvir pelo celular os gritos dos condenados à morte por esquartejamento.

Como as prisões federais não saíram das plantas, Beira-Mar foi recolhido a Brasília. Faz sentido. Ali, qualquer bandido se sente em casa.

O professor despetalou a flor do Lácio

Montagem
A doutrina de Pasquale foi transformada num Aurélio de bolso pelos companheiros oradores

Oentusiasmo nacional com a vitória de Lula em 2002, escancarado por alegres multidões formadas majoritariamente por brasileiros humildes, contagiou o professor Pasquale Cipro Neto.

Graças a programas na TV e colunas em jornais, Pasquale já ganhara fama com o c raque em português. Sem a sisudez dos gramáticos que defendem a bengaladas cada pétala da última flor do Lácio, o professor dizia, com didática clareza, o que é certo e o que é errado.

O advento da Era Lula provocou interessantes mudanças na cabeça de Pasquale. Ficou muito mais tolerante. Em pouco tempo, especializou-se em explicar o inexplicável.

Como justificar aquele menas" que Lula infiltrava em qualquer improviso? Se os ouvintes entenderam, não houve erro, alegava Pasquale. É o povo quem faz a língua.

Transformada num Aurélio de bolso do PT, a "Doutrina Pasquale" animou os companheiros a revogar plurais, concordâncias e outras quinquilharias. Vale tudo, como atestaram na CPI Delúbio Soares e Sílvio Pereira.

Delúbio não diz "ele negocia". Acha "negoceia" mais bonito. Sílvio barganha também consoantes. Nunca apresentou pleitos que beneficiavam amigos. Só "preitos". Não costumava freqüentar o Planalto. Só ia ao "Pranalto". E agora, mestre Pasquale?

Santa Cruz em vez de Brasil

O ministro da Comunicação, Hélio Costa, pediu que a CPI dos Correios mude de nome, para preservar a imagem da instituição (e a integridade física de carteiros alvejados por gente que confunde as coisas). Como a imagem do Brasil parece enlameada, talvez não seja má idéia rebatizar o país com um dos nomes usados logo depois do Descobrimento: Terra de Santa Cruz. Lembra calvário. E não tem contra-indicações.

CORREÇÃO

Jacques Chirac não é primeiro-ministro da França, como informou erradamente a coluna de domingo passado. É o presidente da República.

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