New York Times (30/07/05) do UOL
Governo Lula está no maior e mais audacioso escândalo da história
No Rio de Janeiro
Enquanto fazia campanha para a presidência em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva prometeu audaciosamente limpar a sórdida política do Brasil. Ele prometeu que seu governo seria ético, honesto e moral, um como o Brasil nunca viu.
Tal promessa o ajudou a conquistar os votos de mais de 50 milhões de brasileiros e um mandato arrebatador. Mas agora, em um eco desolador do que tem acontecido repetidas vezes por toda a América Latina, o governo Lula está atolado no maior e mais audacioso escândalo de corrupção da história do país.
Uma comissão parlamentar de inquérito tem ouvido depoimentos de que o Partido dos Trabalhadores pagou a dezenas de deputados de outros partidos um estipêndio mensal de US$ 12.500 pelo seu apoio. Neste mês, um funcionário do partido foi detido em um aeroporto com US$ 100 mil --escondidos em sua cueca-- que ele alegou ter obtido vendendo verduras.
O ministro da Casa Civil de Lula [José Dirceu] foi forçado a renunciar, assim como o presidente, secretário-geral e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores. Apesar de Lula ainda não ter sido acusado no esquema, é grande a especulação de que poderá enfrentar um impeachment, e as primeiras manifestações de rua contra ele, pequenas mas indignadas, tiveram início nesta semana.
O escândalo do Brasil é apenas o mais recente lembrete da corrupção incessante que tem marcado a política latino-americana desde os tempos coloniais, quando governantes absolutos consideravam os reinos recém-conquistados no Novo Mundo como sendo sua propriedade pessoal.
A diferença importante é que hoje o controle é de governos eleitos pelo voto popular, e a corrupção tem despontado como uma das maiores ameaças para os ganhos democráticos conquistados arduamente nos últimos 20 anos.
Por toda a região, estes democratas de segunda geração provaram ser uma decepção, e sua ineficácia e baixa reputação têm permitido o aumento da instabilidade política e da disparidade econômica. Pesquisas de opinião citam rotineiramente a corrupção como a principal causa para a perigosa desilusão que toma conta da região.
O descontentamento tem levado a manifestações populares violentas, incluindo o linchamento de autoridades no Peru, e provocou a queda de oito chefes de Estado em cinco anos.
"Este é um grande problema; simplesmente não houve uma ruptura com o passado", disse Edgar Villanueva, um congressista que está liderando uma das várias investigações do governo do presidente Alejandro Toledo, no Peru.
"O que tem acontecido na América Latina é que não temos sido capazes de colocar boas pessoas no poder. A pessoa no poder sempre mantém laços com sua pequena base de poder, e esquece o povo, esquece suas promessas."
Toledo também chegou ao poder com promessas semelhantes de limpar a corrupção, sucedendo o governo de Alberto K. Fujimori, cuja rede bizantina de propinas e extorsão pareceu estabelecer um novo padrão para a região.
Hoje mais de uma dúzia dos parentes de Toledo, incluindo sua esposa e irmãos, são acusados de usar sua influência para ganho pessoal. Pesquisas de opinião lhe deram os índices mais baixos de aprovação de qualquer líder latino-americano, e seu governo foi minado pelas denúncias quase constantes de corrupção na mídia. Acusações semelhantes no Equador contribuíram para a queda do presidente Lucio Gutiérrez, em abril.
Mais ao norte, a história é praticamente a mesma. No México, o presidente Vicente Fox chegou ao poder em 2000, derrotando o notoriamente corrupto e autoritário Partido Revolucionário Institucional, que governou o país por mais de sete décadas.
Mas ele tem fracassado em quase todas as frentes em reverter o curso da corrupção, dos departamentos de polícia ao longo da fronteira cada vez mais violenta com os Estados Unidos até escândalos em seu próprio governo.
Não apenas os esforços de Fox para processar ex-autoridades do governo, suspeitas de usar dinheiro público do petróleo em campanhas políticas, não deram em nada, como também veio à tona que seu próprio fundo de campanha, Amigos de Fox, recebeu contribuições ilegais.
Sua esposa, Marta Sahagun de Fox, está envolvida em uma série de escândalos pelo uso de milhões de dólares destinados à sua organização de caridade, e seus filhos têm sido investigados pelo Congresso por contratos obtidos para construção de projetos habitacionais.
Por toda a América Central, igualmente, os promotores estão trabalhando em casos contra atuais e ex-líderes que encheram seus bolsos enquanto estavam no poder. Na Nicarágua, o ex-presidente Arnoldo Aleman já foi condenado por desviar fundos do Estado para uso pessoal e está apelando de uma sentença de 20 anos.
Promotores costarriquenhos acusaram dois ex-presidentes de aceitar subornos para concessão de lucrativos contratos do governo. E na Guatemala, promotores estão pedindo ao México a extradição do ex-presidente Alfonso Portillo, por acusação de ter desviado US$ 15,7 milhões.
Alguns apontam que o aumento dos casos é uma evidência de que a Justiça e os governos finalmente estão repreendendo os maus líderes. Mas muitos analistas e cidadãos consideram a persistência dos favores políticos, nepotismo e suborno como evidência da baixa qualidade das democracias da região e quão pouco as atitudes da elite mudaram desde a época em que os senhores coloniais governavam visando a extração e enriquecimento, com pouca consideração pelas pessoas abaixo deles.
Corrupção causa prejuízo econômico
Grupos internacionais como o Banco Mundial dizem que o suborno oficial e o nepotismo são tão poderosos que estão apodrecendo as instituições governamentais e impedindo o crescimento econômico.
Em um recente depoimento no Congresso em Washington, autoridades americanas estimaram que a corrupção oficial pode ter cortado até 15% do crescimento anual na América Latina, com fundos públicos sendo furtados e afugentando investidores estrangeiros.
Os latino-americanos consideram a corrupção como sendo seu problema mais sério depois da crise econômica da região, segundo uma pesquisa envolvendo 18 países, realizada em 2004 pela Latinobarometro, uma empresa chilena de opinião pública que conduz regularmente pesquisas pelo continente.
80% dos entrevistados também disseram consistentemente que perceberam um aumento da corrupção, enquanto outras pesquisas mostraram que em alguns países latino-americanos, como a Argentina, as pessoas acreditam que a corrupção tem um efeito significativo na forma como os negócios e a política são realizados.
"O impacto da corrupção na nossas economias é imenso, simplesmente imenso", disse Jose Ugaz, um peruano que investigou os crimes do governo Fujimori e investiga a corrupção para o Banco Mundial. "E há outros efeitos que não podem ser medidos facilmente --a perda da confiança nos governos, a visão de que as autoridades estão roubando dinheiro."
"Quando a população perde a confiança nas pessoas que governam o país", ele acrescentou, "a perda de confiança gera imediatamente muitos problemas, e um deles é a agitação".
A frustração tem atingido níveis perigosos em vários países, às vezes com violentos protestos de rua. Muitos esperavam que a mudança de governos autoritários para democracias esmagaria o tipo de corrupção que predominava quando ditadores dirigiam os assuntos de Estado para benefício de um pequeno grupo de privilegiados, ameaçando aqueles que os denunciassem.
Mas os governos que os sucederam, de todo o espectro político, sejam defensores do livre mercado como Toledo ou esquerdistas assumidos como Lula, provaram ser ainda mais suscetíveis. Com economias antes fechadas sendo abertas e lucros corporativos atingindo níveis recordes, as oportunidades para subornos passaram a ser maiores do que nunca.
Tão disseminada é a revolta que, no ano passado, outra pesquisa regional revelou que maioria dos latino-americanos preferiria uma volta das ditaduras caso promovessem benefícios econômicos. Apesar da melhoria dos indicadores econômicos de lá para cá, o número de pobres continua crescendo, assim como o ressentimento em relação àqueles que estão embolsando a riqueza da nação para benefício próprio.
Está para nascer
Apesar de alguns Estados terem notadamente melhorado, como Chile e Uruguai, eles são exceções e a inveja de seus vizinhos. Venezuela, Paraguai e Bolívia apresentaram aumento da corrupção ou não exibiram nenhum avanço no combate a ela, mostra a pesquisa anual de um grupo anticorrupção, o Transparency International.
"Não há muitas mudanças nestes países", disse Myles Frechette, uma ex-embaixadora americana na Colômbia e que atualmente presta consultoria para empresas que investem na América Latina.
"No Brasil, o Partido dos Trabalhadores costumava bradar quão corruptos eram todos os outros partidos, mas então chegaram ao poder e adivinhe, o Partido dos Trabalhadores entrou no esquema."
O escândalo brasileiro na verdade vai além dos pagamentos ilegais aos legisladores. Ele também inclui contribuições clandestinas de campanha por empresas interessadas em contratos com o governo, presentes como um Land Rover e outros benefícios para líderes partidários, assim como um fundo secreto de US$ 30 milhões que podia ser usado pelos líderes partidários para fins ainda desconhecidos.
"Lula encontrou uma forma espúria de organizar o poder neste país" quando assumiu o governo no início de 2003, escreveu César Benjamin, um decepcionado membro fundador do Partido dos Trabalhadores e que atualmente é professor de ciência política, em um recente ensaio. "E em vez de lutar para mudá-la, como era sua obrigação política e moral, ele se adaptou a ela."
"O aparato do Estado continua a ser tratado como um despojo", ele acrescentou.
A corrupção se apresenta de muitas formas, mas talvez sua forma mais chamativa e irritante é o nepotismo e os favores políticos, a ostentação de conexões políticas que alienam as pessoas comuns. Tais práticas também assumem muitas formas, desde subornos diretos até empregos e contratos concedidos para pessoas desqualificadas ou inexperientes que são relacionadas com aqueles no poder.
Aqui no Brasil, por exemplo, quando um dos filhos de Lula abriu uma agência de publicidade, uma empresa de telefonia da qual bancos do governo e fundos de pensão possuem ações forneceu o capital inicial.
No Peru, o irmão mais novo do presidente Toledo, Pedro, é acusado de ter usado sua influência para obter uma concessão de telefonia de 20 anos para uma nova empresa --com apenas US$ 1.500 em ativos. Outro irmão, Luis, está sob investigação por suspeita de ter usado o nome de sua família para obter terras do Ministério da Agricultura.
Os problemas de Toledo começaram quase que imediatamente, disse Fernando Rospigliosi, um jornalista respeitado que foi seu primeiro Ministro do Interior.
Militantes de seu partido do governo, Peru Possível, passaram a exigir cargos em ministérios e outras agências assim que Toledo assumiu o poder, disse ele. Entre aqueles que batiam à porta estavam membros da família do presidente, incluindo seu irmão Pedro e sua irmã, Margarita, disse ele.
"Eles ficaram deslumbrados com o poder e dinheiro e imediatamente tentaram tirar proveito, e o fizeram como se fosse a coisa mais natural do mundo", disse Rospigliosi. "Eles apareciam nos ministérios e pediam que pessoas fossem colocadas em certos cargos. É algo bem peruano. Você obtém poder e usa o poder em benefício próprio."
Talvez mais agourento para a saúde democrática da região é o fato de que os recentes escândalos, especialmente o daqui [no Brasil], envolve corrupção não apenas para enriquecimento pessoal, mas também visando se manter indefinidamente no poder, ameaçando as próprias instituições democráticas. Mas os líderes envolvidos têm negado ter cometido qualquer erro e não estão dispostos a aceitar qualquer responsabilidade.
Uma comissão parlamentar tem interrogado Toledo pelo seu papel em um esquema para forjar petições, que os investigadores disseram que sua irmã, Margarita, comandou no final dos anos 90 visando obter assinaturas suficientes para que ele pudesse concorrer novamente. O presidente tem insistido que tal esquema nunca existiu.
"Esta é uma fábrica de mentiras", ele disse recentemente em um programa de televisão. "Aceitem minha palavra. Eu estou dizendo a verdade."
Enquanto seu governo e sua reputação entram em colapso ao seu redor, Lula adotou no Brasil uma postura semelhante. Ele inicialmente argumentou que "em relação ao seu comportamento eleitoral, o Partido dos Trabalhadores fez o que tem sido feito sistematicamente no Brasil". Mas de lá para cá ele abandonou tais desculpas em prol de protestos de inocências e integridade pessoal.
"Neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade", disse ele em um discurso na semana passada. "Neste país, está para nascer alguém que venha querer discutir ética comigo."
Colaboraram com a reportagem Juan Forero, em Lima (Peru), e James C. McKinley Jr., da Cidade do México.
Tradução: George El Khouri Andolfato
No Rio de Janeiro
Enquanto fazia campanha para a presidência em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva prometeu audaciosamente limpar a sórdida política do Brasil. Ele prometeu que seu governo seria ético, honesto e moral, um como o Brasil nunca viu.
Tal promessa o ajudou a conquistar os votos de mais de 50 milhões de brasileiros e um mandato arrebatador. Mas agora, em um eco desolador do que tem acontecido repetidas vezes por toda a América Latina, o governo Lula está atolado no maior e mais audacioso escândalo de corrupção da história do país.
Uma comissão parlamentar de inquérito tem ouvido depoimentos de que o Partido dos Trabalhadores pagou a dezenas de deputados de outros partidos um estipêndio mensal de US$ 12.500 pelo seu apoio. Neste mês, um funcionário do partido foi detido em um aeroporto com US$ 100 mil --escondidos em sua cueca-- que ele alegou ter obtido vendendo verduras.
O ministro da Casa Civil de Lula [José Dirceu] foi forçado a renunciar, assim como o presidente, secretário-geral e tesoureiro do Partido dos Trabalhadores. Apesar de Lula ainda não ter sido acusado no esquema, é grande a especulação de que poderá enfrentar um impeachment, e as primeiras manifestações de rua contra ele, pequenas mas indignadas, tiveram início nesta semana.
O escândalo do Brasil é apenas o mais recente lembrete da corrupção incessante que tem marcado a política latino-americana desde os tempos coloniais, quando governantes absolutos consideravam os reinos recém-conquistados no Novo Mundo como sendo sua propriedade pessoal.
A diferença importante é que hoje o controle é de governos eleitos pelo voto popular, e a corrupção tem despontado como uma das maiores ameaças para os ganhos democráticos conquistados arduamente nos últimos 20 anos.
Por toda a região, estes democratas de segunda geração provaram ser uma decepção, e sua ineficácia e baixa reputação têm permitido o aumento da instabilidade política e da disparidade econômica. Pesquisas de opinião citam rotineiramente a corrupção como a principal causa para a perigosa desilusão que toma conta da região.
O descontentamento tem levado a manifestações populares violentas, incluindo o linchamento de autoridades no Peru, e provocou a queda de oito chefes de Estado em cinco anos.
"Este é um grande problema; simplesmente não houve uma ruptura com o passado", disse Edgar Villanueva, um congressista que está liderando uma das várias investigações do governo do presidente Alejandro Toledo, no Peru.
"O que tem acontecido na América Latina é que não temos sido capazes de colocar boas pessoas no poder. A pessoa no poder sempre mantém laços com sua pequena base de poder, e esquece o povo, esquece suas promessas."
Toledo também chegou ao poder com promessas semelhantes de limpar a corrupção, sucedendo o governo de Alberto K. Fujimori, cuja rede bizantina de propinas e extorsão pareceu estabelecer um novo padrão para a região.
Hoje mais de uma dúzia dos parentes de Toledo, incluindo sua esposa e irmãos, são acusados de usar sua influência para ganho pessoal. Pesquisas de opinião lhe deram os índices mais baixos de aprovação de qualquer líder latino-americano, e seu governo foi minado pelas denúncias quase constantes de corrupção na mídia. Acusações semelhantes no Equador contribuíram para a queda do presidente Lucio Gutiérrez, em abril.
Mais ao norte, a história é praticamente a mesma. No México, o presidente Vicente Fox chegou ao poder em 2000, derrotando o notoriamente corrupto e autoritário Partido Revolucionário Institucional, que governou o país por mais de sete décadas.
Mas ele tem fracassado em quase todas as frentes em reverter o curso da corrupção, dos departamentos de polícia ao longo da fronteira cada vez mais violenta com os Estados Unidos até escândalos em seu próprio governo.
Não apenas os esforços de Fox para processar ex-autoridades do governo, suspeitas de usar dinheiro público do petróleo em campanhas políticas, não deram em nada, como também veio à tona que seu próprio fundo de campanha, Amigos de Fox, recebeu contribuições ilegais.
Sua esposa, Marta Sahagun de Fox, está envolvida em uma série de escândalos pelo uso de milhões de dólares destinados à sua organização de caridade, e seus filhos têm sido investigados pelo Congresso por contratos obtidos para construção de projetos habitacionais.
Por toda a América Central, igualmente, os promotores estão trabalhando em casos contra atuais e ex-líderes que encheram seus bolsos enquanto estavam no poder. Na Nicarágua, o ex-presidente Arnoldo Aleman já foi condenado por desviar fundos do Estado para uso pessoal e está apelando de uma sentença de 20 anos.
Promotores costarriquenhos acusaram dois ex-presidentes de aceitar subornos para concessão de lucrativos contratos do governo. E na Guatemala, promotores estão pedindo ao México a extradição do ex-presidente Alfonso Portillo, por acusação de ter desviado US$ 15,7 milhões.
Alguns apontam que o aumento dos casos é uma evidência de que a Justiça e os governos finalmente estão repreendendo os maus líderes. Mas muitos analistas e cidadãos consideram a persistência dos favores políticos, nepotismo e suborno como evidência da baixa qualidade das democracias da região e quão pouco as atitudes da elite mudaram desde a época em que os senhores coloniais governavam visando a extração e enriquecimento, com pouca consideração pelas pessoas abaixo deles.
Corrupção causa prejuízo econômico
Grupos internacionais como o Banco Mundial dizem que o suborno oficial e o nepotismo são tão poderosos que estão apodrecendo as instituições governamentais e impedindo o crescimento econômico.
Em um recente depoimento no Congresso em Washington, autoridades americanas estimaram que a corrupção oficial pode ter cortado até 15% do crescimento anual na América Latina, com fundos públicos sendo furtados e afugentando investidores estrangeiros.
Os latino-americanos consideram a corrupção como sendo seu problema mais sério depois da crise econômica da região, segundo uma pesquisa envolvendo 18 países, realizada em 2004 pela Latinobarometro, uma empresa chilena de opinião pública que conduz regularmente pesquisas pelo continente.
80% dos entrevistados também disseram consistentemente que perceberam um aumento da corrupção, enquanto outras pesquisas mostraram que em alguns países latino-americanos, como a Argentina, as pessoas acreditam que a corrupção tem um efeito significativo na forma como os negócios e a política são realizados.
"O impacto da corrupção na nossas economias é imenso, simplesmente imenso", disse Jose Ugaz, um peruano que investigou os crimes do governo Fujimori e investiga a corrupção para o Banco Mundial. "E há outros efeitos que não podem ser medidos facilmente --a perda da confiança nos governos, a visão de que as autoridades estão roubando dinheiro."
"Quando a população perde a confiança nas pessoas que governam o país", ele acrescentou, "a perda de confiança gera imediatamente muitos problemas, e um deles é a agitação".
A frustração tem atingido níveis perigosos em vários países, às vezes com violentos protestos de rua. Muitos esperavam que a mudança de governos autoritários para democracias esmagaria o tipo de corrupção que predominava quando ditadores dirigiam os assuntos de Estado para benefício de um pequeno grupo de privilegiados, ameaçando aqueles que os denunciassem.
Mas os governos que os sucederam, de todo o espectro político, sejam defensores do livre mercado como Toledo ou esquerdistas assumidos como Lula, provaram ser ainda mais suscetíveis. Com economias antes fechadas sendo abertas e lucros corporativos atingindo níveis recordes, as oportunidades para subornos passaram a ser maiores do que nunca.
Tão disseminada é a revolta que, no ano passado, outra pesquisa regional revelou que maioria dos latino-americanos preferiria uma volta das ditaduras caso promovessem benefícios econômicos. Apesar da melhoria dos indicadores econômicos de lá para cá, o número de pobres continua crescendo, assim como o ressentimento em relação àqueles que estão embolsando a riqueza da nação para benefício próprio.
Está para nascer
Apesar de alguns Estados terem notadamente melhorado, como Chile e Uruguai, eles são exceções e a inveja de seus vizinhos. Venezuela, Paraguai e Bolívia apresentaram aumento da corrupção ou não exibiram nenhum avanço no combate a ela, mostra a pesquisa anual de um grupo anticorrupção, o Transparency International.
"Não há muitas mudanças nestes países", disse Myles Frechette, uma ex-embaixadora americana na Colômbia e que atualmente presta consultoria para empresas que investem na América Latina.
"No Brasil, o Partido dos Trabalhadores costumava bradar quão corruptos eram todos os outros partidos, mas então chegaram ao poder e adivinhe, o Partido dos Trabalhadores entrou no esquema."
O escândalo brasileiro na verdade vai além dos pagamentos ilegais aos legisladores. Ele também inclui contribuições clandestinas de campanha por empresas interessadas em contratos com o governo, presentes como um Land Rover e outros benefícios para líderes partidários, assim como um fundo secreto de US$ 30 milhões que podia ser usado pelos líderes partidários para fins ainda desconhecidos.
"Lula encontrou uma forma espúria de organizar o poder neste país" quando assumiu o governo no início de 2003, escreveu César Benjamin, um decepcionado membro fundador do Partido dos Trabalhadores e que atualmente é professor de ciência política, em um recente ensaio. "E em vez de lutar para mudá-la, como era sua obrigação política e moral, ele se adaptou a ela."
"O aparato do Estado continua a ser tratado como um despojo", ele acrescentou.
A corrupção se apresenta de muitas formas, mas talvez sua forma mais chamativa e irritante é o nepotismo e os favores políticos, a ostentação de conexões políticas que alienam as pessoas comuns. Tais práticas também assumem muitas formas, desde subornos diretos até empregos e contratos concedidos para pessoas desqualificadas ou inexperientes que são relacionadas com aqueles no poder.
Aqui no Brasil, por exemplo, quando um dos filhos de Lula abriu uma agência de publicidade, uma empresa de telefonia da qual bancos do governo e fundos de pensão possuem ações forneceu o capital inicial.
No Peru, o irmão mais novo do presidente Toledo, Pedro, é acusado de ter usado sua influência para obter uma concessão de telefonia de 20 anos para uma nova empresa --com apenas US$ 1.500 em ativos. Outro irmão, Luis, está sob investigação por suspeita de ter usado o nome de sua família para obter terras do Ministério da Agricultura.
Os problemas de Toledo começaram quase que imediatamente, disse Fernando Rospigliosi, um jornalista respeitado que foi seu primeiro Ministro do Interior.
Militantes de seu partido do governo, Peru Possível, passaram a exigir cargos em ministérios e outras agências assim que Toledo assumiu o poder, disse ele. Entre aqueles que batiam à porta estavam membros da família do presidente, incluindo seu irmão Pedro e sua irmã, Margarita, disse ele.
"Eles ficaram deslumbrados com o poder e dinheiro e imediatamente tentaram tirar proveito, e o fizeram como se fosse a coisa mais natural do mundo", disse Rospigliosi. "Eles apareciam nos ministérios e pediam que pessoas fossem colocadas em certos cargos. É algo bem peruano. Você obtém poder e usa o poder em benefício próprio."
Talvez mais agourento para a saúde democrática da região é o fato de que os recentes escândalos, especialmente o daqui [no Brasil], envolve corrupção não apenas para enriquecimento pessoal, mas também visando se manter indefinidamente no poder, ameaçando as próprias instituições democráticas. Mas os líderes envolvidos têm negado ter cometido qualquer erro e não estão dispostos a aceitar qualquer responsabilidade.
Uma comissão parlamentar tem interrogado Toledo pelo seu papel em um esquema para forjar petições, que os investigadores disseram que sua irmã, Margarita, comandou no final dos anos 90 visando obter assinaturas suficientes para que ele pudesse concorrer novamente. O presidente tem insistido que tal esquema nunca existiu.
"Esta é uma fábrica de mentiras", ele disse recentemente em um programa de televisão. "Aceitem minha palavra. Eu estou dizendo a verdade."
Enquanto seu governo e sua reputação entram em colapso ao seu redor, Lula adotou no Brasil uma postura semelhante. Ele inicialmente argumentou que "em relação ao seu comportamento eleitoral, o Partido dos Trabalhadores fez o que tem sido feito sistematicamente no Brasil". Mas de lá para cá ele abandonou tais desculpas em prol de protestos de inocências e integridade pessoal.
"Neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade", disse ele em um discurso na semana passada. "Neste país, está para nascer alguém que venha querer discutir ética comigo."
Colaboraram com a reportagem Juan Forero, em Lima (Peru), e James C. McKinley Jr., da Cidade do México.
Tradução: George El Khouri Andolfato
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