Folha de S Paulo
"Uma manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto."
Franz Kafka, "A Metamorfose"
Segundo o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, "tudo o que foi colocado pelo deputado Roberto Jefferson vem sendo confirmado, ponto a ponto". Essa é, realmente, a impressão generalizada. Por isso, merece atenção a recente entrevista de Jefferson a Boris Casoy. Refiro-me em especial ao seu relato sobre planos e temores do PFL e do PSDB.
Baseando-se em conversa com o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, Jefferson contou que existe um entendimento entre PFL e PSDB para tentar preservar, em certa medida, o presidente Lula, permitindo que ele chegue, enfraquecido, ao fim do seu mandato. Isso teria sido acertado entre Bornhausen e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
"Eles temem a queda do presidente Lula", explicou, "porque o vice-presidente, José Alencar, é um homem muito ligado aos militares, com fortes primados nacionalistas, um empresário e capitão de indústria." Jefferson previu que, assumindo o governo, Alencar "reduziria os juros e enfrentaria a política dos bancos e do FMI". Nessa hora de depressão e desesperança, Alencar seria capaz de levantar a auto-estima dos brasileiros, tornando-se "imbatível" nas eleições presidenciais de 2006, afirmou.
O leitor poderá acreditar ou não nessas afirmações. Mas, pergunto, elas não são um pouco mais plausíveis do que a versão, propagada pelos lulistas, de que as elites estariam pretendendo desestabilizar ou até derrubar o governo?
Verdade seja dita: o impeachment de Lula desorganizaria o controle que as elites, especialmente os grandes bancos e os interesses a eles associados, têm atualmente sobre as políticas macroeconômicas e financeiras. Esse controle foi preservado após longo e cuidadoso trabalho de cooptação de grande parte do PT e da candidatura Lula. Conseguiu-se, assim, anular no "tapetão" o resultado das eleições presidenciais de 2002.
Com Lula bastante debilitado, talvez definitivamente anulado, esse controle só será ameaçado se a crise arrastar o presidente da República e o seu ministro da Fazenda.
Não interessa às elites, portanto, apressar o fim do governo Lula. Vou mais longe: nem sequer lhes interessa tirar Lula do páreo em 2006. Surgiria, nessa hipótese, um vácuo político, que poderia ser aproveitado, não por um tucano ou algo equivalente, mas por um candidato não-enquadrado, algum "aventureiro" que pudesse colocar em risco a estabilidade medíocre da política econômica brasileira.
O quadro político-eleitoral é frágil e potencialmente volátil. A confiança na classe política tende a zero. Denúncias graves estão atingindo não só o PT e o governo Lula mas o Congresso e todos os principais partidos, incluindo o PFL, o PMDB e o PSDB. Nesse ambiente, aumentam consideravelmente as chances de que, em 2006, possa ocorrer a ascensão de um "outsider", difícil de controlar ou cooptar.
A crise política adquiriu uma dinâmica que a torna incontrolável. Mas parece claro que, da ótica dos defensores do "status quo", a preferência é pela preservação de Lula, não só como presidente mas até mesmo como candidato em 2006. Desse ponto de vista, o ideal é que ele chegue desmoralizado às eleições, tornando-se presa fácil para um adversário capaz de defender com mais autenticidade e naturalidade a atual agenda econômica e financeira.
Ironia do destino. Por um processo tortuoso e melancólico, Lula sofreu metamorfose radical: passou de paladino das mudanças a antídoto contra toda e qualquer mudança.
Entrevista:O Estado inteligente
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