Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 30, 2005

VEJA A crise incomoda, mas a economia está forte

O presidente alarmista

Em mais uma tentativa de abafar a
crise, Lula sugere que investigações
podem prejudicar a economia


Carina Nucci

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem reagido de forma errática ao escândalo que expôs um ninho de corrupção dentro de seu governo. Inicialmente apático, prometeu, num segundo momento, investigar as denúncias até "cortar na própria carne". Depois, num repente populista, recuou, voltou-se contra as próprias investigações e sugeriu que as denúncias não passavam de uma tentativa "das elites" de curvá-lo. Na semana passada, o presidente decidiu acrescentar uma terceira estratégia: ameaçar a própria sociedade para esvaziar a crise. Na quinta-feira, ao discursar para funcionários de uma refinaria da Petrobras, na região metropolitana de Porto Alegre, Lula disse que a economia brasileira "ainda é muito vulnerável" e, por isso, segundo ele, não se pode "brincar nessa parte para que a gente não tenha um retrocesso, porque um retrocesso leva anos e anos para a gente recuperar". O recado foi claro: o presidente sugeriu que as instituições brasileiras, em vez de cumprir suas funções constitucionais, brincam ao investigar a crise política. E que essa "brincadeira" poderá levar o Brasil a uma indesejável tormenta econômica.

Não por coincidência, Lula resolveu falar sobre economia justamente na semana em que os mercados financeiros viveram seus momentos de maior tensão, desde que VEJA flagrou em maio um ato de corrupção nos Correios, a pedra de Roseta dos escândalos atualmente em curso. O dólar, o risco-país e os juros futuros subiram em razão do aprofundamento da crise política. A tensão nos mercados foi causada pela notícia, publicada também em VEJA, de que Marcos Valério ameaçava o presidente com a possibilidade de contar tudo o que sabia caso não recebesse ajuda financeira. Acuado, Lula apelou. O problema (só para ele, é claro) é que os indicadores voltaram a melhorar nos últimos dias, numa prova de que, apesar de não haver blindagem que resista intacta às dimensões da crise, a economia brasileira é muito menos frágil do que tenta fazer crer o presidente em proveito próprio.


Paulo Marcio/1º Plano
BANCO RURAL NÃO É AMEAÇA
Para o Banco Central, problemas no banco do mensalão não causarão crise no setor

Ao contrário do que disse Lula, a economia brasileira surpreende positivamente porque sua vulnerabilidade externa caiu de maneira drástica nos últimos dois anos. O próprio presidente sabe disso. Em dezenas de cerimônias públicas e viagens internacionais, apropriou-se do mérito de sua equipe econômica, que, de 2003 para cá, colocou em curso uma receita correta, mas impopular, para fortalecer a economia. E é essa receita a barreira que impede que o mar de lama do governo Lula arraste a economia para o buraco – como aconteceu em outros períodos. Em 2002, o risco-país, o dólar e os juros dispararam em questão de poucas semanas quando o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva começou a despontar nas pesquisas pré-eleitorais. Naquela ocasião, quando se imaginava que o problema dos petistas era o destrambelho ideológico, e não a falta de ética, o mercado temia que um governo do PT pudesse jogar por terra duras conquistas na esfera econômica – como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o câmbio flutuante e o sistema de metas de inflação.

O que se viu foi o inverso. A responsabilidade fiscal aumentou e a inflação caiu. Some-se a isso um espetacular superávit na balança comercial. Superávit esse que o presidente Lula exibiu como a maior conquista do país durante seu governo nas suas mil e uma viagens à China, Japão, África do Sul etc. Nos últimos dois anos, a economia melhorou muito. O saldo comercial saltou de 13 bilhões de dólares para 37 bilhões de dólares. A balança transformou-se na principal fonte de moeda estrangeira para o país pagar suas contas externas. É claro que a equipe econômica contou com a ajuda do resto do mundo. O PIB global, impulsionado pelo desempenho dos Estados Unidos e da China, aumentou mais de 5% no ano passado e não reduzirá muito o ritmo de crescimento neste ano. O apetite mundial por soja e outras commodities serviu de alavanca para as exportações brasileiras. Ainda que não seja tão necessário, o capital de curto prazo tem sido cada vez mais desviado dos países ricos para o Brasil, atraído pelos juros altos que o governo brasileiro paga. Mas o que tem determinado o câmbio é muito mais a entrada de dólares via comércio exterior do que a entrada de dinheiro especulativo. Com uma fonte de moeda estrangeira muito mais estável – a balança comercial –, o dólar enfrenta resistências para subir acima de 2,50 reais. O exemplo de 2002 é didático. Naquele período, o magro saldo da balança deixava o país muito mais dependente dos estrangeiros que investem em juros e ações no Brasil. O poder de fogo desses especuladores para apostar contra o real ficou pequeno diante dos sucessivos recordes das exportações. E, mesmo que ocorra uma fuga de capitais, seu efeito será infinitamente menor do que o estrago provocado em 2002, quando o dólar chegou a 4 reais. "Na crise de confiança, muita gente perdeu dinheiro porque apostou que o dólar ficaria alto por muito tempo. O mercado não cometerá o mesmo erro hoje porque não apostará contra os bons fundamentos da economia", afirma Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco.

Em sua estratégia de amedrontar a sociedade com a fala de que a economia brasileira é vulnerável, o presidente contradisse os dois homens fortes de sua equipe econômica. Em entrevista a VEJA, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, afirmou que "a crise política não deverá ter impactos sobre a economia". Segundo o ministro Palocci, o mesmo a quem Lula cansou de atribuir a melhora que seu governo promoveu na economia, o "Brasil tem instituições que já estão trabalhando ativamente para solucionar a crise política, e é isso que dá ao governo a tranqüilidade de que os agentes econômicos continuarão tomando suas decisões com base num cenário positivo que se projeta para o país". O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também veio a público para combater o argumento da fragilidade econômica. Nas palavras de Meirelles, "os sólidos fundamentos da economia não permitirão que o país se desvie da rota de crescimento". Enquanto Lula escolhe palavras negativas como "vulnerabilidade" e "retrocesso", seus escudeiros na área econômica preferem "tranqüilidade" e "solidez". Seria curioso se não fosse trágico.

Na prática, Lula tentou botar lenha numa fogueira que sua própria equipe econômica e o mercado financeiro querem sufocar. É fato que a economia crescerá menos do que poderia se não houvesse a crise. Antes dela, a previsão de crescimento do PIB era de 3,5%. Hoje, economistas apostam que o PIB crescerá entre 2,5% e 3%. Investimentos em novos negócios, abertura de empresas e as tão esperadas parcerias público-privadas ficarão comprometidos caso a crise se prolongue. O dólar deve continuar subindo – ainda que moderadamente, o que encarecerá viagens ao exterior e produtos importados. Mas o efeito sobre a inflação deve ser bem pequeno porque os preços se encontram numa acelerada trajetória de queda. No Congresso, projetos importantes, como a reforma tributária e a lei que favorece a abertura de micro e pequenas empresas, perderam prioridade. Com isso, a geração de novos empregos tende a se arrastar. Em tese, os problemas políticos também poderiam contaminar a economia por meio de uma crise no sistema financeiro, especialmente no segmento de bancos do porte do Rural, envolvido no escândalo do mensalão. Mas o Banco Central, que monitora a situação, não vê nuvens demasiado escuras pela frente. Dez em cada dez economistas ouvidos por VEJA são categóricos em afirmar que existe o risco de a crise política contaminar a economia, mas insistem que o país está muito mais sólido, fato ignorado pelo presidente. "Nos últimos anos, o país instituiu uma política econômica responsável e é ela que hoje nos permite atravessar crises, e até trocas de governo, sem abalar a economia", disse a VEJA Fábio Barbosa, presidente do banco Real.


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