Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 26, 2005

Luiz Garcia Refundação

O Globo


Começou a circular no fim de semana a idéia de refundar o PT. É um neologismo — um tanto perigoso neste país amante de trocadilhos. Fique claro que o significado pretendido é "fundar novamente".


Na prática, seria fazer o partido voltar aos bons tempos e às belas intenções das greves no ABC e da reivindicação de um lugar ao sol para uma legítima representação política do operariado de São Paulo e arredores — movimento que logo adquiriu substância ideológica com a adesão dos intelectuais órfãos da extrema esquerda. Eram os duros tempos da resistência ao regime militar.

E também os bons tempos da pureza política. Aquela que os cínicos dizem só existir fora do poder. É triste quando os cínicos começam a ter razão a toda hora, não? Enfim, os anos se passaram, a ascensão política chegou ao degrau mais alto — e a pureza política foi ficando pelo caminho.

A esta altura das manchetes, nada mais conveniente do que reconstruir o PT. É pena que a cada dia se perceba com maior nitidez como é complicado fazê-lo no exercício do poder. Os mais pessimistas não se limitam ao chavão de que o poder corrompe: acrescentam que isso acontece mais depressa e mais amplamente quando há calouros no poder. É aquela história sobre quem nunca comeu melado.

É importante lembrar que o PT chegou ao Planalto não mais como um movimento basicamente operário-intelectual, e sim como porta-voz universal de pobres e injustiçados de todo o país. Sem pretensão revolucionária, mas com a promessa de combater a miséria em todos os níveis e em todo o território. Era melado aos tonéis.

Mas aconteceu que projeto de tal ambição exigia novos companheiros de jornada — não obrigatoriamente leitores da mesma cartilha. Como se viu mas não se esperava — pelo menos não na extensão e na profundidade verificadas — isso produziu extraordinária mudança de perfil. A rapidez da transformação foi surpreendente: pior, não tanto como a profundidade.

O que tem explicado as surpresas de cada dia. Cada uma, ao que parece, anunciando novidades mais graves para as manchetes do dia seguinte. Até agora, só a coerência da política econômica permite imaginar uma saída, que seria mais ou menos o seguinte: conter a corrupção — mesmo sem deixar de expô-la — até a sucessão presidencial, quando ganharia quem menos delúbio fosse.

Como fórmula, parece a menos dolorosa. Até para o PT, condenado, se aceitar implicitamente o projeto, a período longo de comedimento e humildade, tratando da sua refundação.

Reza-se que tenha quadros, líderes, ideólogos e violeiros capazes de tanta humildade.

Enfim, sempre será mais fácil refundar o PT do que refundar o Brasil, como alguns pretendem, ou afundá-lo, como outros ameaçam.

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