Em dois dias consecutivos, no final da semana, o presidente Lula fez três pronunciamentos enfáticos - dois deles para platéias de trabalhadores. As manifestações deixam claro que ele resolveu enfrentar a crise da corrupção da pior forma possível, fazendo-se de vítima de uma suposta conspiração e apelando para a demagogia mais rasteira. Seria menos grave se ele tivesse se movido por uma avaliação equivocada de uma conjuntura que se deteriora a olhos vistos e da qual nenhuma das principais figuras da cena política brasileira, seja de que partido forem, pode se considerar a salvo. Mas é impossível que Lula não saiba que o que diz é uma distorção grotesca da realidade. Admitir o contrário seria tomá-lo por tolo. Para focalizar a frase que dominou o noticiário político no sábado - 'não vai ser a elite brasileira que vai fazer eu baixar a minha cabeça', dita na Refinaria Duque de Caxias -, é mais do que óbvio que ele tem conhecimento de que a única coisa que a elite brasileira quer baixar é a temperatura da crise. Porque, se outros motivos não houvesse para a preservação da estabilidade política, bastaria a inquietação cada vez mais justificada com os seus efeitos sobre a economia. Conforme os desdobramentos do quadro de decomposição ética que atinge o governo - e, se não o Congresso, a Câmara dos Deputados -, poderá ir por água abaixo o que a administração Lula tem de melhor: a racionalidade das suas decisões econômicas, barrando a sua subordinação ao aventureirismo populista. Por que, então, Lula encampou essa estapafúrdia teoria? Ela já parecia sepultada desde que as vozes mais sensatas do próprio PT trataram de se dissociar da retórica do complô das elites que, na sua despedida do Planalto, o ministro José Dirceu foi o primeiro a invocar, para ser imitado pelo destituído tesoureiro petista Delúbio Soares e pelo dirigente emessetista João Pedro Stédile - o que diz tudo da consistência do argumento. Mas Lula não exuma a referência às elites no vácuo: lembra, para fundamentá-la, as suas arquiconhecidas origens sociais e reivindica, ao mesmo tempo, a condição que se atribui de ser imbatível, entre os brasileiros, em matéria de 'moral e honestidade'. Daí, como ele voltaria a dizer sábado em um evento sindical no ABC, o 'preconceito' contra ele. Com isso, o presidente quer galvanizar o núcleo duro do seu eleitorado: os brasileiros da base da pirâmide social, que se beneficiaram de políticas do governo (e das conseqüências da inflação controlada sobre o custo dos alimentos). Bastam dois indicadores da pesquisa do DataFolha, divulgada ontem. De um lado, quanto menos instruídos os entrevistados, menor também a parcela dos que tendem a achar que Lula está envolvido com o mensalão. De outro, conforme o cenário que se monte para o pleito de 2006, os seus eleitores variam de 26% no Sul a 44% no Nordeste. Mas agora ele não está apenas pedindo votos: está jogando o povo contra as elites para proteger o seu mandato. Aos grotões, o campeão brasileiro da moralidade proclama: 'O que o povo quer mesmo é resultado. É saber se, no frigir dos ovos, a sua vida vai estar melhor do que quando entramos no governo.' (Sexta-feira, no Rio.) Dos seus liderados ouve: 'Este sindicato estará nas ruas se alguém se atrever a tentar tirar, pelo golpe, o seu direito de lá estar.' (Sindicalista José Lopes Feijoó, sábado, em São Bernardo.) Ou seja, no primeiro caso, o povo deve respaldá-lo não em nome da ética, mas porque 'a sua vida vai estar melhor'. No segundo caso, o seu mandato é intocável por definição, mesmo se fatos novos comprovarem que o presidente tem parte com o que vem sendo denunciado - o que só os irresponsáveis podem desejar. Ora, diga o que disser, Lula não está acima do bem e do mal. Ele não morava em outro planeta quando, em 1993, o já então ex-secretário das Finanças de São José dos Campos Paulo de Tarso Venceslau, afinal expulso do partido, denunciou que a prefeitura petista do município favoreceu ilicitamente os negócios do compadre de Lula, Roberto Teixeira. Ele tampouco pode fingir que não era bom amigo de Delúbio, como a repórter Angélica Santa Cruz mostrou no Estado de ontem. A esta altura, em vez de fabricar conspiratas, Lula deveria se curvar ao diagnóstico do companheiro Tarso Genro sobre a corrupção disseminada no PT e agir a partir disso - pois é aí que mora o perigo.
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Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, julho 25, 2005
Editorial de O Estado de S Paulo Lula sabe o que o ameaça
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