Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 26, 2005

Merval Pereira Leitores éticos

O Globo

Desde que comecei a escrever esta coluna, há pouco mais de dois anos, poucas vezes tive um retorno tão expressivo dos leitores como em relação à intitulada "A conspiração", de sábado passado, em que criticava a declaração do presidente Lula de que não existia ninguém no país comparável a ele em termos de ética. A esmagadora maioria das mensagens expressava indignação com a postura do presidente, que também acusava as elites de quererem fazer com que "abaixe a cabeça". Algumas poucas mensagens, no entanto, foram de críticas à coluna.

Como o presidente Lula continuou, no fim de semana até ontem, na toada contra as elites que supostamente estariam conspirando contra seu governo, resolvi registrar a reação dos leitores reproduzindo trechos de algumas mensagens, como maneira de refletir o que vai pela cabeça de uma parcela importante da opinião pública, capaz de expressar suas posições diante do que acontece no país.

O leitor Marco Aurélio Q. T. Pereira desafia que o presidente Lula "marque hora e local" para o debate sobre ética com o povo brasileiro, mas recomenda a escolha de "um local bem grande, vários e vários Maracanãs, pois vários Brasileiros (desses que realmente merecem um B maiúsculo — o senhor ainda se lembra deles?) certamente cumprirão o dever cívico de discutir ética com o senhor. Mas não face a face. Eles estarão acima, num plano bem mais alto que o do senhor. Como o senhor gosta tanto de dizer: nunca se viu nesse país tanta cara de pau".

Já Pedro Saísse, advogado, residente na Tijuca, no Rio, lamenta a postura do presidente e se diz temeroso de que caiamos "em uma luta de classes, incentivada pelos sindicatos do PT. Vejo a história de Angola e as invasões das fazendas na África do Sul e fico preocupado". João Henrique Eboli diz que "a Regina Duarte tinha razão. O que temos visto e ouvido nos encontros de Lula com os sindicalistas é extremamente mais grave quando comparado com o que foi falado e feito nos comícios da Central e do Automóvel Club nos idos de 63/64".

Maria Carmen Faria de Carvalho, moradora de Petrópolis, no Estado do Rio, escreve dizendo que "se os pelegos que estão botando as manguinhas de fora, em oportunidades que oficialmente lhes são oferecidas, pensam que vão subjugar a nação brasileira na base do grito, estão inteiramente equivocados. Já tentaram em outras ocasiões e não conseguiram, e não será no século XXI que essa vanguarda do atraso vai nos impor suas mazelas".

Cleber Almeida de Oliveira, professor de história e delegado da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB), em Santos Dumont (MG), diz que vê "com certa cautela e apreensão, o estratagema de buscar transformar essa ópera bufa em um conflito ideológico nos moldes do chavismo na Venezuela". A leitora Lílian Fonseca, jornalista com mestrado em ciência política, de Brasília, diz que ela e o presidente Lula "não vivemos no mesmo mundo. Será que ele acha que somos idiotas e não estamos entendendo o que está acontecendo? Já é triste constatar que os partidos políticos sustentam campanhas com caixa dois, mas o pior é ver que o estado brasileiro está sendo assaltado para enriquecer o PT e alguns petistas, em particular. Realmente, como diria George Orwell, 'alguns bichos são mais iguais que outros'".

Maria Magdalena Neurater, do Rio de Janeiro, diz que "esta crise que se abateu sobre nosso país" pelo andar das investigações "ainda deverá causar estragos, talvez, irrecuperáveis". Jogando a culpa na elite brasileira, diz Magdalena Neurater, "traz-nos a certeza de que ele está defendendo os únicos responsáveis por toda esta vergonha: a elite petista que fazia parte da cúpula do PT e privava da intimidade do seu gabinete".

Pedro Paulo Abreu diz que "não será através de fácil falácia que o governo conseguirá livrar-se da escandalosa rede de corrupção com que o PT e seus aliados assolaram o Brasil". Marcos Kac diz que "o presidente que jamais trabalhou, seja antes ou depois da eleição; o presidente que acha normal seu filho receber subsídios de uma telefônica na ordem de R$ 5 milhões, enquanto que os atores deste setor dizem que o mesmo ainda está engatinhando no país; o presidente que 'fala' em mandar apurar CPIs, mas 'manda' obstaculizá-las de todas as formas, de ético, este presidente não tem nada, infelizmente".

Gladstone Souza Cabral, advogado, diz que votou no presidente Lula "pois entendia que ele seria a redenção do nosso país, entretanto, estou convicto de que ele tem conhecimento de todas estas armações visando a arrecadar fundos via cofres públicos". Sinvaldo do Nascimento Souza, de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, diz que o discurso "dissimuladamente populista" pretende confundir a opinião pública "colocando no mesmo balaio de gatos, conceitos como ética, moral, honestidade e elite".

O leitor Paulo Kiffer chama a atenção para o fato de que "quem começou todas as denúncias, que colocaram o nosso Brasil num verdadeiro 'mar de lama', não foi a elite brasileira, elite essa que vem, de forma muito parecida com o 'chavismo', ordinariamente sendo denunciada por Dirceu, Delúbio e agora Lula; e sim, um político, Roberto Jefferson, do PTB, que como todos sabem era da base política aliada do Lula".

O professor Ricardo Berbara, da UFRRJ, me acusa de não ter escrito colunas sobre as denúncias de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso: "Quando o presidente Lula afirma que existem dois pesos e duas medidas quando a imprensa o avalia, deveria tê-lo em mente, porque este foi mesmo um artigo à altura do título de sua coluna".

Como comecei a escrever a coluna há cerca de dois anos, o professor não poderia mesmo ter lido críticas minhas ao governo FHC. E, desde o governo Collor, não se tem uma investigação que revelasse um esquema de corrupção institucional tão disseminada como a que está sendo revelada pela CPI dos Correios.


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