Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 29, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo 'Erros', fatos e palavras



E mbora se declarasse "muito indignado" não propriamente com as evidências de corrupção que têm vindo à tona, mas com o "tal de diz-que-diz" a que reduziu a crise política por elas provocada, o presidente Lula, anteontem em Bagé, tornou a se orgulhar de ter "vergonha na cara" e tornou a advertir que "todos que erraram, sejam do meu partido ou de outro, têm de pagar". Para seu presumível desconforto, no entanto, o mesmo Estado que noticia ontem, como a imprensa diária em geral, a sua mais nova manifestação sobre a amarga atualidade política brasileira publica também uma entrevista que revela a imensa distância entre as palavras do presidente sobre qual deve ser o destino dos que erraram e um fato a esta altura já histórico, do qual foi protagonista central, que aponta rigorosamente na direção oposta.

O entrevistado é o economista Paulo de Tarso Venceslau. Em 1995, ele denunciou a Lula o esquema de arrecadação ilícita de recursos operado em prefeituras petistas, como a de São José dos Campos, da qual era secretário das Finanças, pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do então futuro presidente. Passados dois anos sem que nada acontecesse, Venceslau contou o que sabia ao Jornal da Tarde. Em 1998, foi expulso do PT. O caso tinha sido julgado por uma comissão de notáveis do partido, formada pelo economista Paul Singer, o ex-promotor Hélio Bicudo e o professor de direito e atual deputado José Eduardo Cardozo. O relatório do trio concluiu que Teixeira havia cometido "grave falta ética" - mas esse e outros trechos de igual teor foram expurgados da versão usada pela direção do PT para expulsar Venceslau.

A importância da sua entrevista está na analogia que ele estabelece, com inquestionável lucidez, entre a corrupção no PT que viu de perto e esta que acompanha pela mídia, como qualquer brasileiro. Em dado momento, Venceslau diz que "se tivessem feito a depuração (para a qual forneceu a oportunidade, há dez anos), não estaríamos vendo o filme de agora". O problema, pelo que ele mesmo relata da atuação de Lula e do seu controlador do partido, José Dirceu, que o elegeu presidente também em 1995, é que essa depuração não podia acontecer, a menos que o líder, perante quem os companheiros se comportavam com temor reverencial, passasse por uma metamorfose que o fizesse praticar o que pregava - a separação absoluta entre o público e o privado, entre Estado e partido.

Mas, em vez disso, como mostra Venceslau, Lula "fez questão não só de acobertar (o poderoso compadre), mas de punir quem tinha descoberto" (os seus erros, para usar a atual terminologia do presidente). Nesse episódio que esculpiria a verdadeira face da liderança do PT, "Lula se consolida como caudilho e o partido se ajoelha diante dele", analisa Venceslau. "Ungido de uma liderança incontestável", assinala o ex-petista, "todo mundo passou a fazer aquilo que mandava." Dirceu era o "executor" leal ao chefe. Alçou à direção partidária, para serem seus paus-mandados, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, "que raciocinam muito pouco", na avaliação de Venceslau, confirmando o que se viu na CPI dos Correios.

A ascensão do PT ao Planalto deu dimensão federal aos meios e fins encarnados no ministro que dizia que só fazia o que Lula mandava. Prova de que nada mudou está no caso da nomeação do novo presidente da Infraero. Contra o parecer da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ele nomeou para a Infraero Tércio Ivan de Barros. A Polícia Federal apura irregularidades que teria cometido na superintendência do Aeroporto de Guarulhos, em 2002. Tércio é amigo de Antonio Celso Cipriani, ex-presidente da falida Transbrasil, da qual o "compadre" de Lula, Roberto Teixeira, é advogado, e tem (Cipriani) um grande projeto na Infraero, apresentado pela advogada Waleska Teixeira, filha de Roberto Teixeira e afilhada de casamento de Lula. Outro amigo do compadre de Lula é o relator da CPI do Banestado, o deputado petista José Mentor, cujo mentor é José Dirceu. Ele conseguiu evitar que Cipriani depusesse no inquérito. Diz Venceslau: "Teixeira está blindado. Mas na hora em que reabrirem o caso Banestado talvez a gente descubra por quê."

E eis que o presidente, na mesma fala de Bagé, acusa a imprensa de manchar inocentes. "Alguém" terá de pedir desculpas, cobrou. A imprensa não manchou ninguém - diga o que disser o demitido ministro Dirceu. E o "alguém" que teria de pedir desculpas Lula sabe perfeitamente quem é.


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