O presidente Lula tem sido poupado por setores da grande mídia, do empresariado e mesmo de partidos da oposição. Não tem, portanto, nenhum cabimento os seus protestos contra as "elites" diante das quais não se curvaria. Com efeito, não precisa, pois há muito já se curvou, segundo dizem os que defendem as antigas bandeiras petistas. O seu discurso é apenas uma válvula de escape diante de seu eleitorado tradicional, como se ele fosse o arauto da esperança, liquidada, aliás, por seu próprio governo e por seu partido.
Os rastros que levam ao Planalto são tão fortes que o presidente Lula se viu forçado a fazer uma reforma ministerial |
As elites, na verdade, estão muito contentes com o seu governo, desde que a política macroeconômica seja salvaguardada. Querer, por exemplo, apresentar os bancos como os mais interessados em sua eventual derrocada não resiste à menor prova empírica, pois esse setor da economia foi um dos mais beneficiados por sua política.
Que o presidente tenha sido preservado não significa que não seja responsável pela corrupção vigente, com todos os indícios de formação de uma quadrilha que teria se apossado dos fundos públicos e do aparelho do Estado via distribuição de cargos ao PT e seus aliados.
O descolamento do presidente em relação ao governo e ao seu partido, revelado pelas pesquisas de opinião, expressa os interesses das "elites" por ele tão criticadas. Se elas tivessem colado a sua figura aos escândalos de seu partido, o resultado teria sido certamente outro. Elas temem um processo de impeachment, pois este poderia se traduzir pela descontinuidade da política macroeconômica, com o vice-presidente assumindo em seu lugar. Ou seja, as "elites" não querem na Presidência um empresário que alteraria a política macroeconômica. Elas preferem um ex-sindicalista que responda aos seus interesses.
No entanto, a imprensa e os meios de comunicação são livres em nosso país e competem entre si. Todo o processo em curso tem sua origem na liberdade de imprensa e de expressão, que o atual governo não conseguiu silenciar mediante o projeto do Conselho Federal de Jornalismo, da Ancinav e das leis da mordaça para o Ministério Público e para o funcionalismo público.
Isso significa que o processo político é incontrolável, chegando cada vez mais perto do Palácio do Planalto.
As manifestações reiteradas de que o presidente não está imiscuído nas ações de seus "companheiros" não resistem à menor análise dos fatos, pois ele foi advertido do que se passava pelo governador de Goiás e pelo deputado Roberto Jefferson. O ex-ministro José Dirceu chegou a dizer que nada teria sido feito à sua revelia. Ou ainda, citando o ex-secretário-geral do PT, Silvinho Pereira: "Agimos em nome do PT". E se o presidente nada fez, ele é responsável por omissão e por conivência.
Nada do que está acontecendo teria ocorrido se a impunidade não tivesse imperado. O assassinato de Celso Daniel, com a série de assassinatos posteriores, mostrando o mesmo esquema de corrupção entre o PT, o governo e as empresas, foi abafado pelas autoridades partidárias e teria caído no esquecimento não fosse a atuação do Ministério Público paulista.
O mesmo aconteceu com Waldomiro Diniz, logo "inocentado" pelo partido, pelo governo e pelas instâncias encarregadas de sua investigação.Uma ação eficaz naquele momento teria mostrado que há limites para a malversação dos recursos públicos. Nada foi feito, senão jantares de desagravo e manifestações estridentes, como se o PT fosse alheio a tudo isso, pois era o partido da ética na política. Como não houve punição, esse setor partidário acreditou que os recursos públicos eram seus. A onipotência deixou rastros.
E os rastros que levam ao Palácio do Planalto são tão fortes que o presidente Lula se viu forçado a fazer uma reforma ministerial. E não a fez para afastar eventuais implicados na corrupção, mas para aumentar a sua blindagem. Na verdade, essa reforma deveria ser chamada de antiimpeachment. Só essa preocupação explica que, em relação ao PMDB, o governo tenha vindo a pagar mais pelo mesmo. A sua base de apoio não aumentou, mas o seu pagamento sim, com o aumento de ministérios e cargos ofertados a esse partido.
O mesmo se pode dizer do PP, que chega ao ministério pela força do presidente da Câmara, capaz de retardar, por sua posição, um eventual processo de impeachment. O presidente só pensa em si, em se proteger, humilhando, por exemplo, um "companheiro" como o ex-ministro Olívio Dutra.
Se o presidente fosse ético, renunciaria, mostrando à nação que não tem nada a ver com isso. Por muito menos, Getúlio se suicidou e entrou definitivamente na história brasileira. A dignidade de sua biografia pessoal exigiria um ato moral que preservasse a sua própria história em vez de caucionar as versões inverossímeis de Delúbio Soares e Silvio Pereira a partir de uma estranhíssima entrevista "concedida" em Paris.
Se ele se colou ainda mais à corrupção petista, ele se tornou ainda mais responsável pelo descalabro existente. Permanecer no poder e evitar a todo custo o impeachment será apenas um ato a mais de indignidade. Pode o impeachment não ocorrer, pois as "elites" assim o querem. Ele se tornará, no entanto, refém de uma situação que não mais controlará. Poderá ele ainda manter a sua popularidade se o cada vez mais difícil "descolamento" for mantido, vindo mesmo a ser reeleito, mas com uma pequena base parlamentar petista. Será, então, candidato a rainha da Inglaterra. A sua responsabilidade moral e a política não serão, porém, minimamente menores. E é disso que se trata.
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