Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 29, 2005

DORA KRAMER Um leve aroma de orégano no ar


O Estado de S Paulo

Está muito esquisita essa proposta de um grande entendimento nacional que começou a circular em Brasília, em tese para assegurar o funcionamento normal do País, baixar a temperatura da crise e evitar abalos na economia.

Seria um acordo proposto não se sabe exatamente por quem - o ministro Jaques Wagner, da Articulação Política, fala no assunto, mas o presidente da República não dá sinais de corroborar - nem quais seriam os termos a serem acertados entre as partes.

Aliás, desconhece-se também quem seriam os signatários, suas finalidades concretas e sob quais condições objetivas de sucesso dar-se-ia o acerto.

Ao que se ouve aqui e ali, o pressuposto do entendimento seria a oposição desistir da idéia de propor o impeachment do presidente Luiz Inácio da Silva.

Se é isso mesmo, o projeto fica prejudicado pela premissa. Falsa, por ora, dada a impossibilidade de proposituras dessa natureza sem fundamento legal, sem anuência social e sem concordância política amplamente majoritária.

Como nenhuma das três condições estão atendidas, não há do quê fazer a oposição desistir nem propostas concretas a fazer.

A menos que a argumentação em torno do impeachment não tenha bem esse significado e queira, na verdade, sugerir à oposição que pare de falar o nome do presidente Lula quando o assunto forem as denúncias de corrupção que estão sendo investigadas.

Para isso, porém, será necessário combinar não só com os partidos. Mas também com a imprensa, com os apresentadores de programas populares na TV, com comunicadores de rádio, com a opinião pública.

Com todos, enfim, os que poderão suspeitar que a retirada do presidente de cena esconda uma operação abafa em função do aparecimento de nomes de oposicionistas na lista de beneficiários das contas de Marcos Valério de Souza.

Desconfiança, aliás, com fundamento. Se o leitor reparar bem, de uns dias para cá começaram a ocorrer movimentos pouco usuais. Mais exatamente desde que a CPI descobriu que Marcos Valério fez pré-estréia na campanha do atual presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo, para o governo de Minas Gerais em 1998.

Os tucanos acham normal Azeredo continuar na presidência do partido; Roberto Jefferson até agora não apresentou o prometido pedido de abertura de processo contra José Dirceu no Conselho de Ética da Câmara; o PL já fala em retirar o requerimento para cassação do mandato de Jefferson; os documentos que o relator da CPI classificara como "pólvora pura" não apareceram e, de repente, ficaram todos aflitos com a governabilidade.

Esta senhora tão invocada, mas nem sempre respeitada, em nome de quem são patrocinadas atrocidades morais de fazer corar corruptos com notório saber.

De uma hora para outra, a economia, que era apresentada como fator preponderante da fortaleza governamental, passou, na versão dos arautos do acochambro, a correr sérios riscos.

Mas o que poderiam fazer os abaixo-assinados para conter a contaminação?

Nada, a não ser deliberadamente esconder os resultados das investigações, acentuar o faz-de-conta nacional em torno do desconhecimento do presidente da República a respeito do que se passava em seu governo e no seu partido.

Além disso, as excelências todas precisariam apresentar à Nação escusas por terem ido tão longe nessa tentativa de imitar países decentes, onde o que faz mal ao funcionamento da nação não é a investigação, mas o crime cometido.

Antes disso, entretanto, convém convidar à mesa de negociações os fatos, pois a temperatura da crise oscila não em função da vontade dos atores políticos, mas das evidências , quase todas elas originárias da seara governista.

Neste particular, requer especiais cuidados o comportamento do presidente Luiz Inácio da Silva frente à crise. É preciso adaptá-lo à nova realidade, a fim de que a grande concertação chegue a um bom termo.

Não dará certo se Lula continuar a se conduzir como se estivesse em curso uma investigação de corrupção fora do âmbito governamental e ele cumprisse o dever diário de registrar sua indignação pelos desvios dos compatriotas que, por sorte, têm o mais ético de todos os 180 milhões de brasileiros dando expediente no Palácio do Planalto e dormindo o sono dos justos no Palácio da Alvorada.

Sem esse pré-requisito da adaptação do discurso, vai continuar soando estranho o governo propor uma baixada geral de tom enquanto o presidente mantém o seu cada vez mais elevado.

Foi a partir de um discurso de Lula, aliás - prometendo fazer e acontecer na companhia dos "movimentos sociais" para resistir à conspiração das "elites" (bem apelidadas pelo PFL de Dona Zelite) -, que se registraram turbulências na Bolsa e no dólar.

Acordos como este a respeito do qual agora se fala, sem autoria, detalhamento dos termos nem clareza de propósitos, não levam a nada além da produção de espuma. Mas deixam no ar o desagradável aroma de um tipo de arranjo que o senso comum costuma traduzir naquela receita básica de massa, mozarela, tomate e orégano.


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